I - Fundo

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O desejo queimava-o por dentro. Afundava-se nas suas entranhas, remexia-lhe a alma, retirava-lhe firmeza, discernimento e coerência. Acendia-o, apagava-o, brincava com todas as suas noções de pecado. Atiçava-o, empurrava-o, esmagava-o, deixava-o ofegante, faminto, sensível, irascível, prostrado, febril, derrotado. Sentia-se culpado, contraído e exausto, depois passava a frenético, excitado e imparável, queria tudo, num segundo, num piscar de olhos e num estalar de dedos. A sua pele ardia com rasgos de fogo e indícios de gelo, marcas imaginadas quando era tudo ânsia, vontade e fervor. Salivava e a boca ficava seca. O seu coração palpitava e calava-se. Estremecia de calor e de frio. Era sempre difícil, tornava-se missão impossível quando o seu corpo fazia a exigência.

Enfiou-se debaixo do chuveiro, a água a cair em gotas sistemáticas sobre a sua cabeça. Esfregou a cara com as mãos, enfiou os dedos no cabelo. Pensava nele que estava quase a chegar. Ele viria. Não tinha dúvidas. Ele viria sem hesitar. Tinha-o chamado.

Mike olhara para Chester. Estavam junto aos elevadores, no átrio do piso dos quartos. Tinham acabado de chegar ao hotel. Os outros da comitiva cirandavam à sua volta. Transportavam malas, sacos, instrumentos musicais acondicionados nos respetivos estojos, caixas e mochilas. Riam-se, falavam, abriam e fechavam portas, comentavam o alojamento, a qualidade do espaço, as surpresas que lhes tinham deixado, os agrados foleiros e as lembranças inusitadas. Os outros não importavam. Desapareceram, simplesmente, quando Mike e Chester se entreolharam. Podia ler-se um poema inteiro naquele olhar.

- Preciso de ver contigo uma canção – disse Mike.

- São aqueles acordes? – perguntou Chester.

- Yep... são. Praticamos no meu quarto?

- Tem mesmo de ser no teu quarto? É sempre no teu quarto.

- Tenho as teclas. E as guitarras. Já lá estão, fui ver...

- Certo. Espera cinco minutos.

- Eu espero.

Metera-se no banho, não aguentara os cinco minutos. Era demasiado tempo. Mike mal conseguia engolir, a garganta doía-lhe, os músculos dos braços estavam paralisados e as pernas não lhe obedeciam de tão rígidas. A água estava fria, mas o desejo não arrefecia. Pelo contrário, parecia aumentar com todos aquelas miseráveis distrações que tentava, em vão, inventar para si. O seu pensamento concentrava-se na canção que iriam ver, os acordes que seriam tocados, pacientemente, um por um. Uma canção especial, sem melodia... Dedos latejantes, dedos exploradores, dedos manhosos, dedos impacientes, dedos carentes. O tempo passava tão devagar. Chester nunca mais chegava...

E quando chegasse tentaria, como das outras vezes, ser indiferente e controlado. A sua impaciência domesticada, aprisionada nas correias da pouca dignidade que ainda conservava. Se cedesse miseravelmente como ficaria depois, aquela relação improvável e proibida? Mas o outro sabia o efeito que causava nele. Comprazia-se desse domínio, dessa vitória, desse segredo. Ele deixava-o. Ele adorava ser dele.

Fechou o chuveiro, agarrou numa toalha. Enxugou o cabelo, esfregando à bruta o couro cabeludo para retirar o excesso de água. Agarrou numa segunda toalha seca e enrolou-a na cintura, prendendo a ponta junto ao umbigo. Olhou-se no enorme espelho da casa-de-banho. Estava ruborizado, tinha os olhos brilhantes, os lábios húmidos e encarnados. Os cabelos negros espetados em diversas direções, tão sensualmente despenteado. Estava irresistível e ele não aguentava mais. Um volume crescia por detrás da toalha. Apoiou as mãos nos quadris, olhou para baixo. Precisava de um segundo banho... ainda mais gelado, ainda mais punitivo. Maldita antecipação do paraíso!

A porta abriu-se e fechou-se com estrondo. Nunca seria discreto, não estava na natureza de Chester Bennington ser discreto. Anunciava-se nos lugares como um furacão, aparecia, destruía, saía. O barulho causou-lhe um arrepio. O volume diminuiu um pouco, a pressão nas virilhas também. Respirou fundo.

O Lado Oculto da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora