XLIX - Azar

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Era uma situação grave. Bastante grave. Ele percebeu logo que devia pedir ajuda, nada de adiar o inevitável e saiu do ginásio. Andava rigidamente, as articulações como que calcificadas e ele não sentiu o chão ou lembrou-se de ter percorrido a distância necessária para chegar ao gabinete do pronto socorro. Movia-se por instinto, puro instinto, sentidos embotados, mente focada apenas num objetivo. Conseguir auxílio. Chamou pela enfermeira, explicando de forma breve o que tinha acontecido. O amigo estava a queixar-se de um tornozelo depois de uma queda. 

Ao regressar ao ginásio fê-lo devagar, quase num estado de sonambulismo forçado, com medo de se desmanchar emocionalmente se ousasse encarar o que estava a acontecer, na sua exposição mais nítida. Um pouco de nevoeiro, de efabulação, de distância, de filtragem eram bem-vindos. Continuava a mover-se por instinto.

Phoenix estava com Chester que tentava conter os lamentos, mas era óbvio que o tornozelo magoado lhe estava a doer demasiado. A enfermeira avaliou a situação e decidiu que era mais do que uma simples entorse. Uma ambulância foi chamada. Levaram-no de cadeira de rodas até ao átrio onde os paramédicos o aguardavam para lhe prestarem a primeira assistência. O jogo de basquetebol foi adiado – com o que estava a acontecer ao Chester já ninguém queria jogar ou fazer qualquer exercício. Foram todos para os balneários, um duche refrescante, regresso ao hotel.

Ele ficou mais um pouco no ginásio vazio. O ar estava quente, saturado e sufocante ali dentro. Olhou em volta sem saber muito bem o que fazer a seguir, embora o mais lógico seria imitar os outros. Tomar banho, arrefecer a cabeça que escaldava, regressar ao hotel e ficar a aguardar por novidades do hospital. O Tom tinha ido com o Chester, para lhe fazer companhia e controlar as fugas de informação.

Agarrou numa garrafa de água, retirou-lhe a tampa, bebeu um gole. Percebeu que tinha qualquer obstrução na garganta – uma secura derivada da tensão de todo o acontecimento. Estava nervoso, aborrecido, preocupado, zangado e fragilizado. Uma mistura de emoções que o iriam destruir se ele não tomasse cuidado. Ainda tinham um espetáculo para fazer naquela noite, em Indianápolis.

- Mike... O que achas que aconteceu?

Olhou para Phoenix que se mostrava grave e tão apoquentado quanto ele. Assustou-se, julgava que estava sozinho. Olhou em volta para se certificar de que eram mesmo só os dois. Encarou o baixista. Fora Phoenix que estivera sempre perto de Chester quando a enfermeira fez a primeira avaliação do estado do tornozelo.

Farrell desenvolvia uma ligação mais estreita com o Chester naqueles últimos anos, desde a crise de 2006 e Mike sentia alguns ciúmes. Havia assuntos que o Chester falava com o Phoenix e não falava com ele, por exemplo. Partilhavam o fervor pelo exercício físico, pelas tatuagens, competiam nas tiradas de humor cáustico. E ele estava desconfiado de que Chester havia feito uma ou outra confissão sobre o que eles tinham, em privado, e isso incomodava-o.

Encolheu os ombros.

- Vamos esperar pelo diagnóstico.

- Achas que ele... que o Chaz partiu o tornozelo? Ele estava a queixar-se muito e não conseguia mover os dedos do pé.

- Não! – disse Mike, entre o alarmado e o confiante. Bebeu outro gole de água e tentou parecer descontraído, embora continuasse com a garganta contraída e seca. – Não, não creio. Ofendeu os ligamentos, qualquer coisa dessas. Ele não pode partir nada, nesta fase... a digressão do The Hunting Party está a correr-nos tão bem. O Chester não vai admitir interromper esta boa onda que andamos a cavalgar, há tanto tempo. Ele anda motivado, feliz... Não, vais ver que é só uma qualquer treta simples, descanso e esta noite já vai estar aos pulos no palco.

O Lado Oculto da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora