Eu não sabia exatamente onde estava... não tinha a certeza.
Mergulhava num banco de névoa que me cortava a visão e que me deixava completamente inerte. Não me conseguia mexer. Era impossível que o comando descesse do cérebro para os músculos ou sequer que conseguisse formular essa ordem. Eu estava mesmo ali? Não, não estava. Era apenas uma noção incorpórea, uma ideia perdida num mundo volátil.
E era por isso que não tinha certeza de nada...
Não fiz qualquer esforço para recuperar os meus sentidos. Era melhor estar naquela apatia do que reagir e forçar a minha existência através do universo. Reencaixar-me – no corpo e naquele lugar. Voltar a existir.
Isso... eu não quero existir.
Recuso-me a ser eu próprio. A ser alguém. Uma pessoa.
Estou dentro de um automóvel, no lugar do condutor. Percebo-o agora ao olhar para as minhas pernas. Consigo ver. Uma melhoria. Estou sentado e existe um volante por cima das minhas coxas. Estou nu. Quero dizer, não totalmente nu. Tenho umas cuecas vestidas e uma camisola interior de alças larga que repuxo com a mão esquerda. Está cheia de nódoas e cheira mal. Aliás, eu tenho um fedor insuportável. Acabei de perceber que também já tenho olfato.
O gosto regressa, de seguida. A minha boca está amarga. Tenho muita sede.
Olho para o lado e vejo a garrafa de whisky vazia no assento do pendura. Vejo também a arma. Tenho um espasmo. Estou horrorizado e curioso. Depois tudo me parece muito normal e exato. Uma verdade e um facto. Pronto, está tudo certo. Tudo esclarecido – mais ou menos.
Um silvo enche-me os ouvidos e recupero a audição.
Agarro na garrafa, levo o gargalo à boca para sorver as últimas gotas de álcool. Quero mais. Preciso de beber mais. Os efeitos da embriaguez estão a desaparecer e eu não desejo ficar sóbrio, porque assim fica a doer-me e eu não quero que me doa. Esse é o último dos sentidos e aquele que eu afasto com uma determinação feroz. O toque, a sensibilidade. Não quero voltar a tocar e a sentir.
A minha cabeça está tonta, eu quero continuar confuso e alheado. Sozinho. Bêbado.
Era isso. Estava encharcado e por isso perdi o meu sentido de orientação, quem era e o que fazia ali. A minha memória foi afetada por um ataque imprevisto de excesso de álcool no sangue.
Onde era ali, não estava totalmente claro. Estreito os olhos. Não estou com os meus óculos e o mundo está desfocado. É de noite, estou numa estrada abandonada. Um ermo escuro. Reconheço árvores por causa dos vultos. Há postes de eletricidade ao longo da berma, os cabos elétricos que unem cada poste ao seguinte, até ao infinito.
Se estou naquele sítio, longe de qualquer lugar habitado, significa que estive a conduzir o carro. Pouso as mãos moles no volante, o vidro da garrafa embate no painel de instrumentos e soa um tinido. De alguma maneira fui capaz de guiar um automóvel, sem me lembrar de o ter feito, de seguir por uma estrada, de ter ficado mais ou menos incólume. Cumpri o feito impossível de não me espetar num muro, ou numa árvore ou num poste.
Estaciono no meio da via e talvez tenha parado por vontade própria, nem sequer foi falta de combustível ou o motor que pifou. Estou bem, sem ferimentos, sem sangue, sem dores. Apenas desorientado, cheio de sede, fedorento, sozinho e descalço.
A minha testa franze-se. Não tenho sapatos. A sola dos meus pés raspa-se nos pedais do carro e começo a rir-me como um louco.
E tudo se resume a uma noite de loucura. Alguma coisa está errada, profundamente errada e eu sem energias para me alcançar, para me erguer, para ser quem sou.
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O Lado Oculto da Lua
FanfictionMike e Chester têm uma relação conturbada desde que se conheceram. Guardam segredos e compartilham sentimentos, mostram ao mundo a sua união e desunem-se em privado sem conseguirem viver um sem o outro. Entre encontros e desencontros, altos e baix...