XX - Astros

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Regressei ao estúdio depois do meu internamento na clínica de reabilitação. Dois meses, três meses, não me lembrava de quanto tempo tinha passado, mas foram muitos dias a aturar uma ressaca dos diabos que me estraçalhou ainda mais o espírito, que só esteve inteiro e assim mais ou menos aceitável até aos meus sete anos de idade. Estou limpo, no entanto. Vou continuar a esforçar-me por permanecer limpo.

Vai ser difícil. Sempre consumi drunfos, charros e outras merdas desde que deixei de ser criança, novamente desde esses meus famosos sete anos de idade. É como uma nova vida, um renascer. Estou muito assustado, mas digo sempre que está tudo bem, que estou preparado, que irei manter-me nos trilhos. É o que os outros querem ouvir e, porra, já chega de desiludir as pessoas que convivem comigo.

A Sam reconciliou-se comigo, revi o meu filho Draven que ficou enorme e um bebé lindo desde que me internaram na clínica. Revi a Elka que me disse que rezava por mim todas as noites, que grande aldrabice, a Elka nem sabe rezar, mas eu aceitei a mentira para que ela sentisse que também fizera a sua parte. Ela trouxe-me o meu outro filho, o Jaime, ela é a mãe do Jaime, que também cresceu muito, com quem brinquei e fiz umas maluquices. Revi o meu pai, a minha mãe falou comigo ao telefone, o meu irmão que me deu um sermão bem-intencionado, a minha irmã que chorava porque teve medo de me perder. Percebo que tenho toda uma vida à minha espera se eu realmente me concentrar no objetivo de me manter saudável. Isso é bom, certo? Saber que tenho qualquer coisa... Repetiram-me isso um milhão de vezes durante a terapia. Lembra-te, Chester, o mundo lá fora não é um deserto e tu não estás sozinho. Basta estenderes a mão e terás todo o apoio que precisares. Foi o que aconteceu. Foram os teus amigos que te trouxeram para cá e que te salvaram.

Sim, eu sei. Sempre soube. Não sou estúpido, sabem?

Depois, quis rever a minha verdadeira razão de viver. O que me salva, efetivamente, todos os dias. Aquilo que me dá forças para acreditar que depois da noite vai haver um amanhecer. A música.

Assim que pus um pé dentro do estúdio, senti que já não pertencia ali. Estava tudo mudado – no meu conceito. Notei pequenas mudanças e fiquei ressentido. Tinham redecorado as paredes, mudado a cor dos projetores, havia novos remisturadores, um microfone moderno. Fizeram tudo isso sem pedir a minha opinião. Reparei nessas coisas sem importância nenhuma, mas que para mim são importantes.

Ou é preto ou é branco, não há cinzento. Ou é certo ou errado, não há meio termo. Comigo é assim. Quem não gosta que se afaste, não estou para me justificar nesta fase.

Não gosto do estúdio. Já não é a minha casa, o meu refúgio. Até os cabos fazem um desenho diferente, espalhados pelo chão. Alguém andou a ligar e a desligar coisas.

Eu fui desligado e agora ligaram-me.

Tenho de me manter limpo. Saudável. Composto.

Escondo as mãos, que tremem, nos bolsos largos do casaco. Alguém está a dar-me as boas-vindas. Só que eu não sou bem-vindo, sei disso, vejo isso muito bem. Merda! Por que motivo tornaram o estúdio tão estranho? Não gosto das alterações. Não posso dizer nada, não devo... sou um toxicodependente de merda, estive internado numa clínica para limpar o sistema saturado de químicos, a minha palavra não conta.

E se tivesse morrido? Não podia abrir a boca e o estúdio estava diferente, à mesma. Talvez até tivessem uma fotografia minha gigante, para se lembrarem. Ou nem isso... Não substituíram o Wakefield? Vão substituir-me também. Fazem outra audição, arranjam uma voz nova. Os Linkin Park continuam. Não é grave.

És tão descartável como um copo de plástico, estúpido!

Tento humedecer os lábios secos, mas a minha língua parece uma folha de papel. O Joe dá-me um abraço. Eu digo o habitual "ei, meu", parece-me que ele está emocionado, mas afasta-se antes que eu comprove a minha teoria. A seguir aparecem o Rob, o Dave, por fim o Brad.

O Lado Oculto da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora