O Lado Oculto da Lua

LIX - Lua

Mal sinto o meu corpo e movo-me como um autómato.

Estou a roer as unhas compulsivamente, uma atrás da outra que deposito, com uma certa precisão doentia, no móvel do quarto. Daqui a nada chego aos dedos e estou a arrancar pedaços de carne.

Estou nervoso, mas estou determinado.

Termina aqui. Já não me restam forças para continuar a lutar.

O meu corpo dormente arde, como uma febre. E em breve não arderá mais. Sim, vai ser bom. Descansar, finalmente. Dormir. Fazer daquela noite uma boa noite. O que estará do outro lado?

Vai estar o vazio e no vazio não existe nada que me possa ferir ou magoar.

Não aguento mais. Sou incapaz de enfrentar aqueles malditos que me exigem que seja alguém que já não existe, que me repita até à exaustão. E se não sou capaz de pisar um palco e cantar, de ser mais poderoso que os meus inimigos, estou a desistir. Atiro a toalha ao chão. Rendo-me. De mim não levam mais raiva ou indignação. Ou sequer amor.

Sim, é isso. Estou a desistir.

Podia tentar reerguer-me, esquecer outra vez como sou um homem quebrado, mas estou farto de me esconder e de lutar sozinho contra o mundo que nunca me desejou, verdadeiramente. Tive sempre de me impor, de me mostrar, de forçar a minha existência e de gritar, ei, estou aqui. Estão a ver-me?

Será que recebi resposta? Acho que sim... não me lembro, não me quero lembrar.

Porque tenho perdido tanto... já chega de perder. Já chega de lutar ingloriamente.

Pouso o telemóvel em cima dos pedaços de unhas que levei a acumular, depois de arrancadas do meu corpo. Choro como uma criança.

Levanto-me. Encaro a porta. Será ali.

Será fácil. O Chris disse-me que é muito fácil.

Avanço, cada passo é ansiedade e medo. Cada passo leva-me para os últimos minutos. Sou eu, sozinho, destruído, árido. Feio, velho e infeliz.

Chega, chega de miséria.

O Mike vai odiar-me tanto...

Não me importo.

Adeus, Mike.

Continuo a não sentir o corpo. Daqui a alguns segundos não sentirei a minha alma também e assim está feito. Termina. Um alívio.

Os gritos cessam, as vozes calam-se. O silêncio prévio é muito bom. Vai prolongar-se depois – um eterno e abençoado silêncio.

Deixo de chorar.