Entrou pelo autocarro adentro, colocando todo o seu peso em cada perna o que fez oscilar o pesado veículo. Era uma sensação poderosa, de invencibilidade e Mike sentia-se omnipotente. Era capaz de conquistar o mundo naquela noite apenas com um microfone e um amplificador. E por isso caminhava como se fosse o imperador do universo. Dobrou os braços pelos cotovelos, punhos fechados para dentro, exibindo músculos e empáfia.
Não era apenas os espetáculos da digressão da banda que corriam bem. Era a sua vida como um todo, tão generosa, brilhante, perfeita e invejável. Bastava estalar os dedos e ele fazia acontecer. Criava coisas – arte, música, vida, luz. Desejava e surgia, broto a emergir da terra árida, água a inundar o deserto. Até nos jogos. Principalmente nos jogos. Ninguém o batia, ninguém lhe fazia sombra.
Acabava de vir de uma jogatina com o Joe e o roadie chamado Tim. Descobriram uma casa com máquinas antigas de arcada e estiveram num torneio do velhinho jogo da Capcom, Street Fighter II. Mike ganhara todos os combates que disputara com os dois amigos. Beberam umas cervejas, trocaram-se umas apostas. Só o facto de ter humilhado o senhor Hahn no seu terreno enchera-o daquela vaidade magnífica e ele achava-se divino.
E divino entrava no autocarro para retomarem viagem. Anoitecera havia pouco tempo e o céu, para os lados do poente, mostrava faixas roxas, tapadas parcialmente pela floresta escura.
O coreano vinha amuado porque a sua pontuação máxima fora arrasada sem piedade. Não estava no seu dia de sorte e deixou-se derrotar, sem ao menos disfarçar que pretendia uma desforra. Ele tentara até ao limite das suas forças e da sua incompetência conseguir vencer Mike que não lhe concedera qualquer espaço. Vinham da casa de jogos e esse mesmo Mike vangloriava-se sem qualquer pudor pela sua imensa conquista.
- É que nem tiveste qualquer hipótese, meu! – exclamou voltando-se para Joe que entrava atrás dele, a resmungar. O Tim seguia-os, encolhido. Andava às arrecuas pelo corredor do autocarro. – O meu Ryu estava com as mãos em fogo. Em fogo! Literalmente! – Estacionou mais ou menos a meio. Mostrou-lhe as mãos, para exemplificar. – Ora, cheira... estás a cheirar? É queimado! Os meus hadouken não perdoaram... Os meus hadouken estavam imbatíveis! Fui invencível. Mereci o torneio. Os dois torneios! Sou o melhor do mundo. Do universo!
- Amanhã vais engolir essas palavras, Shinoda.
- E os meus shoryuken? Acho que te fiz um par de perfects só com uma sessão bem aplicada de shoryuken. O teu Honda mal de mexeu.
- Já te bati, forte e feio, com o meu Honda. A máquina era uma bosta, do meu lado. O joystick estava emperrado.
- Desculpas esfarrapadas. Nem ali o Tim conseguiu... e jogou com o Ken, que é irmão do Ryu! Mesmo mestre, mesmas técnicas.
- Olha lá, Shinoda! – ameaçou Joe, dedo indicador em riste, olhos coruscantes. – Já te disse que era a porra do joystick. Nem nos teus melhores sonhos consegues ser melhor do que eu no Street Fighter II. Estás a ouvir-me? Arranja-me uma máquina decente e eu mostro-te que mãos é que cheiram a queimado. Aliás, nem seque me lembro que me tenhas ganhado uma única vez sequer. Só estás assim porque ganhaste uma vantagem... artificial. A porra do joystick...
- Ah, não inventes! Estás a desculpar-te com a máquina? Não esperava isso de ti, senhor Hahn. Estás com mau perder, meu... ganhei-te e foi limpo. E se dúvidas houvessem, ali o Tim confirma a minha superioridade. Também não me conseguiu ganhar.
- O Tim... o Tim?!
- Ei, eu jogo bem, meu! O Shinoda é que estava com o cu voltado para a lua, esta noite – cortou o roadie incomodado. – Estava com a sorte toda. Quando é assim, foda-se... nem que viesses com todas as tuas técnicas.
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O Lado Oculto da Lua
FanficMike e Chester têm uma relação conturbada desde que se conheceram. Guardam segredos e compartilham sentimentos, mostram ao mundo a sua união e desunem-se em privado sem conseguirem viver um sem o outro. Entre encontros e desencontros, altos e baix...