XXVIII - Disfarce

25 4 6
                                    


E é assim que se perde alguém. Quando não se dá o que é suposto dar-se.

Chester cuspiu a pastilha elástica que mascava para o chão, sem se importar por estar a sujar a rua. Passou a língua pelos dentes, olhando em volta, fazendo o reconhecimento do bairro por onde errava naquela madrugada.

Depois de ter saído do estúdio, não fora para casa. Não conseguia enfiar-se na mesma cama onde a sua mulher, muito provavelmente, dormiria a sono solto, eram altas horas da madrugada, quando tinha o Mike e o seu olhar carente e opaco na lembrança. Ele percebera a desilusão, mais uma vez, que lhe causara e assim se afastavam um pouco mais.

Talvez fosse o melhor. Terminar com aquilo, de uma vez por todas.

Engoliu em seco. Só que ele não queria. Se o Mike lho perguntasse diretamente, queres acabar?, ele teria um ataque. Iria ajoelhar-se e suplicar que ele não o deixasse, num acesso bem melodramático. Por isso nunca fazia a pergunta, nem dava pontas para que se iniciasse essa conversa que esclarecesse tudo.

Descobriu uma loja de conveniência e foi até lá. Empurrou a porta e fez soar um pequeno sino por cima da cabeça. Deixara o carro estacionado num beco de uma rua perpendicular àquela avenida e a partir dali andara a pé. Era muito tarde, não havia quase ninguém na rua e não iria ter problemas de ser importunado por alguém que o identificasse como o famoso vocalista de uma banda musical conhecida mundialmente. Com ele era sempre um sarilho, toda a gente sabia quem ele era e vinham-lhe pedir autógrafos ou tirar fotografias com ele. Os outros passavam despercebidos, sem qualquer problema.

Ao balcão pediu um maço de tabaco. Por várias vezes tentou terminar com o vício, mas sempre voltava ao cigarro, quando estava mais nervoso ou com os velhos problemas a invadi-lo sorrateiramente e ele precisava de um escape descomplicado, que estivesse ao seu alcance. Usava as pastilhas elásticas para substituir o cigarro, mas a nicotina acalmava-o mais. O empregado atendeu-o, dispensou-lhe o maço e ele pagou. O homem não deu mostras de saber quem ele era.

Saiu da loja. Levantou a gola do casaco. Abriu o maço, retirou um cigarro, meteu-o entre os lábios e acendeu-o com o isqueiro que sempre trazia consigo. Soprou o fumo. Guardou o maço no bolso de dentro do casaco. Ficou parado no passeio, à frente da loja, a fumar pacientemente, a extrair da boca o sabor da língua ávida e gulosa do Mike.

Porra! Aquele beijo tinha sido demasiado bom para a sua sanidade mental.

Mas depois não fora capaz de ceder ao que o Mike queria e cavara mais uma pá da sua tumba. Qualquer dia, aquilo que ele tinha com o Mike iria terminar e depois não se podia queixar. Bem que podia ajoelhar-se e suplicar e chorar e gritar como uma mulher histérica, depois de o mal feito não haveria volta a dar.

Esfregou a testa dorida com os dedos. Pôs-se a andar e a fumar o cigarro, ao mesmo tempo. Conhecia um bar que ficava naquela rua, mais à frente e foi para aí que se dirigiu. Era um estabelecimento pequeno, frequentado por motociclistas e por gente noturna e desordeira, mas na maioria das vezes, as coisas estavam calmas e ninguém se metia com ninguém. Conhecera a casa quando chegou a Los Angeles e fizera amigos lá, que lhe vendiam erva e ácido.

Entrou no bar. Estava praticamente vazio. Três tipos jogavam bilhar ao fundo, uma jukebox debitava música que era dançada por um casal bêbado. Nas mesas espalhadas pelo recinto ele contou cerca de sete pessoas. Sentou-se ao balcão e pediu uma cerveja. Encontrou uns trocos no bolso onde enfiara o maço de tabaco, pagou assim a bebida quando o empregado lhe pousou a garrafa à frente. Perguntou-lhe se aceitavam cartão de crédito, o empregado grunhiu que sim.

Agarrou no telemóvel, enquanto bebia a cerveja diretamente pelo gargalo. Conferiu mensagens. A Talinda tinha-lhe enviado uma série de corações pouco antes da meia-noite, a dizer-lhe que estava com saudades, a desejar-lhe bom trabalho e que esperava por ele. O coração doeu-lhe por estar a fugir. Entrou no Twitter, navegou com a ajuda do polegar. Descobriu uma novidade e sentiu as entranhas revoltarem-se. Leu um tweet da Anna Shinoda, acabado de publicar. Hora, duas e dezanove da manhã.

O Lado Oculto da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora