XV - Quebra

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O estúdio de gravação estava vazio sem ele.

Passou as mãos pelos botões da consola, extraindo desse contacto o conforto que ele sentia ausente naquele espaço penumbroso. A garganta doía-lhe como se estivesse inflamada e ele sabia que era o sinal do remorso e da raiva que sentia por ter sido tão estupidamente alheado. Ou talvez essa era a forma que tinha de lidar com o que era demasiado gigantesco, para que continuasse são de espírito. Um mecanismo de autodefesa. Fugir dos problemas, ignorá-los, assobiar para o lado, fazer vista grossa.

De qualquer modo, não tinha qualquer desculpa. Eram amigos, certo? E os amigos ajudam-se, apoiam-se, estão sempre atentos aos sinais e todas essas coisas...

No dia anterior tinha sido a gota de água que fizera transbordar o copo. A corda partira-se pelo lado mais frágil. Aquele era quase um desastre anunciado. Só ele não quisera ver.

Brad tocara-lhe no ombro com um dedo. Fizera-lhe um sinal com a cabeça. Estava mortalmente sério, cara de funeral.

- Mike... – suplicara-lhe.

Ele encolhera os ombros e voltara a concentrar-se nas teclas. Pressionava-as com força, numa agressão, o som saía distorcido. Dissera:

- Ele é um adulto, sabe muito bem o que está a fazer.

- Acho que ele não sabe, Mike. Precisa de ajuda.

- Se quiser ajuda... que a peça!

- Mike, alguém deve falar com ele.

- E por que motivo tenho de ser eu?

Continuava sem encarar o guitarrista e as palavras saíam-lhe como balas, rajada de metralhadora. Brad arrancou a guitarra, zangado. Aproximara-se de Chester que oscilava de um lado para o outro, a tentar perceber onde seria o seu lugar. Mike fechava a boca e continuava sem tirar os olhos das teclas. Estava encalhado no seu próprio sentimento de impotência e desnorte perante a calamidade do vocalista, que se desfazia diante dos seus olhos. Diante dos olhos deles todos.

Chester aparecera no estúdio bêbado e drogado. Ao ser interpelado, reagia com brutalidade, tanto física, como verbal. Andava aos pontapés, gritava, discutia com quem só queria conversar, bufava e marrava como um bisonte ferido, não admitia que lhe dissessem nada. Injuriava, praguejava, estava exigente. Queria logo acabar a porra da gravação que tinha mais que fazer. As mãos tremiam-se-lhe terrivelmente. A roupa estava encardida e cheirava mal.

Volvera os olhos injetados de sangue para Brad e empurrara-o com um soco desferido contra o peito.

- O que queres daqui, Delson? Foda-se!

- Chester. Olha para mim.

Mike apertava os dentes, concentrado nas teclas. Já não tocava nada que se aproveitasse, mas persistia nos acordes, numa cacofonia irritante. Joe aproximava-se.

- Delson, foda-se. Digam-me o que tenho para cantar e vou-me já embora. Foda-se! Estão a implicar comigo, hoje... Já não basta o que tenho em casa. A Sam disse-me que me vai deixar e que leva o puto. Quero que todos se fodam!

- Chester, tu não vais cantar assim.

- Porquê?

- Não estás em condições.

- Vou cantar hoje! Temos um disco para gravar.

- Ouve-me! Tu precisas de ajuda.

- Mike! – chamara Chester tentando tirar Brad da sua frente. – Mike! Diz-me o que tens aí para que eu cante... queres o quê, Mike? Diz-me, que eu canto.

O Lado Oculto da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora