II - Aéreo

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Era sempre a mesma coisa.

Quando eu fodia o Mike, a seguir ele fodia-me também e com mais força.

Se a primeira foda era literal, a segunda era figurativa. Enquanto uma era física, a outra era psicológica – e o que acontecia depois doía bastante mais. Era tudo ampliado quando se passava no plano da imaginação. Porque eu sempre tive uma cabeça com a tendência chata de aumentar qualquer acontecimento, mesmo que fosse minúsculo. A mais pequena pedra é um pedregulho capaz de exterminar os dinossauros, caso caia do espaço como um meteoro.

Depois de foder o Mike a minha... humilhação era maior.

Hesitei, é verdade. Podia ter voltado para o quarto dele e mendigado um carinho. Mas porra, também sou orgulhoso e ele não me mostrou que me queria de volta. Ele nunca me quis de volta depois de eu o ter fodido. Gostava de ser possuído e depois comportava-se como se eu o tivesse invadido e obrigado a fazer aquilo.

Estou a imaginar, eu sei. Ele gosta tanto como eu. Mas tem aqueles preconceitos. E eu tenho a merda de uma cabeça demasiado imaginativa. A fantasia sobrepõe-se à realidade e por vezes não sei onde estou – se no meio de um pesadelo ou se esta é a minha vida de verdade.

Desconheço se ele me ama como eu o amo, nem nunca procurei saber. Para quê? Para me desiludir? Ele nunca vai deixar a mulher dele, nem eu me divorciarei da minha para ir viver com ele. Não somos homossexuais, nem eu, nem o Mike. Nunca me interessei por outros homens, nem mesmo pelo Brad quando ele se põe a provocar-me e a fazer-me carinhos na cara, a cheirar-me o pescoço entre beijos, a dizer-me que eu cheiro tão bem. Nunca tive uma ereção quando ponho os olhos num gajo que se atira a mim naqueles encontros com os fãs, sim, pois que também aparecem os tipos com essas preferências e que, pronto, devem bater uma punheta a olhar para um poster meu. Respeito, claro que respeito. Sou um homem apetecível. Há mulheres e também homens que se encantam em mim. Bendita masturbação em que gritam pelo meu nome!

Mas nunca me senti excitado com a possibilidade de comer outro homem.

Como o Mike porque... suspiro desalentado. Como o Mike e nem sei explicar porquê e sei que ele também não tem explicação para isto. Nunca cheguei a revelar esse segredo ao meu terapeuta. Uma vez estive tentado a contar, mas quando comecei a confissão com a afirmação de que o amor era aquilo que me matava, todos os dias, não avancei com o nome do Mike. Em vez disso, classifiquei o amor como um sentimento genérico. O amor que eu tinha pela minha mulher, pelos meus filhos, pela minha família, pelos meus companheiros da banda. Não o incluí, especificamente, na lista.

O Mike é qualquer coisa diferente. Está noutro patamar. Sou eu e o Mike e nesse lugar ninguém existe mais, a não ser ele e eu. O problema é que não podemos ser apenas nós os dois. O problema é que estamos inseridos na merda de um mundo cheio de noções e de conceitos e de filosofias que nos esmagam e nos contradizem.

Se eu pudesse, era só eu e o Mike, numa ilha deserta. Mas nunca é como eu quero. E acho que nem ele quer estar sozinho comigo, sempre, a todas as horas e a todos os minutos. Acabaríamos por nos fartar um do outro e o que temos murchava como qualquer flor quando é arrancada do seu jardim.

Esta foi excessivamente piegas e demasiado gay! Flores e jardins.

O Mike iria rir-se de mim. E eu gargalho alto, atraindo as atenções de todos.

Porra, acho que já estou bêbado!

É melhor que fique embriagado, assim esqueço-me de como sinto falta dele, ao meu lado. Quero tê-lo comigo, quero abraçá-lo, quero que ele me diga que precisa de mim. É sempre desejo, é sempre paixão, é sempre uns minutos e depois acaba. Merda! Preciso dele e isso faz-me mal. Deixa-me confuso e desesperado.

O Lado Oculto da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora