XXXI - Paz

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Dormiu, talvez, uma hora. Depois despertou. Aquela ideia ficou a moer-lhe o juízo, insistentemente e ele descobriu-se com insónia. Dava voltas e voltas na cama, usou e descartou o travesseiro, deu mais voltas que um crocodilo num rio lamacento de África a devorar um qualquer mamífero incauto. Por fim, cansado daquilo, levantou-se.

Mike não conseguia tirar o Chester da cabeça. Ele estava amuado e a sua indiferença magoava-o, de uma forma mais profunda se ele lhe tivesse dado um simples murro. Pelo menos, se andassem à porrada um com o outro, no final, com um olho negro, a boca rebentada e sangue a sair do nariz, ficaria tudo bem, tudo explicado e aquela perda de tempo teria terminado.

De qualquer modo, ele dava-lhe toda a razão. Não se tinha portado bem com o Chester naquele dia em que o fora ajudar com a mudança. Pusera-se com desculpas esfarrapadas para tolerar o que tinham feito. Mais uma afirmação para si mesmo, de que a sua masculinidade continuava intacta, do que uma declaração sincera e esclarecedora sobre o que tinha acontecido.

E se a culpa era sua, ele é que teria de avançar para sanar aquela disputa surda, antes que a bola de neve engrossasse demasiado.

Calçou as pantufas, enfiou o cartão do quarto no bolso da blusa do pijama e foi pelo corredor até ao quarto do Chester. Em frente à porta, de braço levantado, perdeu a coragem. Mas o que raio estava ele ali a fazer? E o que pensava dizer? Não tinha nada preparado, nem gesto, nem discurso.

Estavam em digressão, não podiam continuar a brincar às escondidas daquela maneira. Precisavam de se acertar e que ficasse tudo definitivamente esclarecido. Eram muitos espetáculos e nalgum aconteceria uma desgraça qualquer. Um erro, uma recriminação, um deslize. Então encheu-se de ânimo e bateu.

Nada. O silêncio imperava no corredor. Olhou para todos os lados. Apurando o ouvido, conseguia ouvir alguém a ressonar ali perto. Voltou a bater.

Era uma estupidez querer ter uma conversa mais ou menos séria, teoricamente importante, àquelas horas impróprias. Suspirou, vazando-se da esperança que o levara até ali, olhando para os dedos dos pés que espreitavam das pantufas. Girou o corpo, sentindo-se estúpido. Amanhã podia encontrar a oportunidade certa para falar com o amigo. No teste de som, puxava-o para o lado e depois falavam. Era bastante mais simples, sem equívocos por ser de madrugada.

E estava nesta congeminação, a convencer-se de que teria de tentar dormir e descansar qualquer coisa ou no dia seguinte estaria feito num farrapo impertinente, quando o trinco da porta soou.

Chester apareceu na fresta que se abriu, ensonado. Esfregava os olhos. Estava nu, vestido apenas com uns boxers de padrão escocês. Uma piroseira colorida. O seu coração começou a bater loucamente. Estava demasiado atraente. Irresistível, era a palavra mais adequada.

Mas era só conversar, merda! Estava ali só para conversar.

- Oi... Mike? O que é que queres?

Abriu e fechou os olhos. Levou a mão à boca, prendeu o lábio inferior entre o polegar e o indicador. Balbuciou:

- Eh... estava sem sono. E... sabes? Gostaria de falar contigo, meu.

- Estava a dormir.

- Acordei-te?

- Se estou aqui à porta... sim, acordaste-me – respondeu Chester aborrecido.

- Posso entrar? Se quiseres, deixamos para amanhã... eu vou voltar para o meu...

A porta abriu-se toda.

- Já que estás aqui e já que me acordaste, entra. Para quê desperdiçar uma boa insónia, hum, Shinoda?

O Lado Oculto da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora