XXIX - Prendas

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Chester Charles Bennington sempre teve uma vida complicada, segundo o próprio e isso era bastante fácil de comprovar. Bastava conviver com ele mais do que uma hora. Se isso não bastasse, ele ainda tinha o talento especial de a tornar ainda mais complicada, enrolando-se em questões, polémicas e passos em falso que destruíam mais do que consertavam, embora o seu objetivo fosse sempre reparar qualquer coisa e não arranjar quezílias com ninguém. 

Era quase como uma necessidade, algo endémico, que lhe estava no sangue, fazer e desfazer as suas relações pessoais como quem muda de meias várias vezes ao dia, consoante a intensidade da atividade física. Nunca estar parado, ou estagnava. Ele corria e fazia a sua vida pessoal correr como ele. Quando se olhava, já ele estava noutro patamar.

Talvez fosse por causa do exemplo. Ele não conhecia uma realidade diferente que não fosse uma família alargada com interrupções pelo meio, muita gente para além da composição nuclear de pai, mãe e filhos. Ele era incapaz de conceber uma família sem ramificações diversas. No fundo, precisava do tumulto que toda essa confusão de parentes causava. O silêncio sempre foi o seu maior inimigo.

Aos onze anos os seus pais, Susan e Lee, divorciaram-se. Antes, tanto a mãe, como pai, já tinham vindo de casamentos anteriores com filhos, ela com uma filha, a Tobi, ele com um casal, o Brian e a Rene. Os meio irmãos do Chester.

Depois, o próprio Chester teve filhos de uma namorada, da ex-mulher e da mulher atual. Biológicos e adotados. Seis, para que a contabilidade ficasse correta. Jaime, Isaiah, Draven, Tyler, Lily e Lila. E eram três mulheres. A Elka, a Samantha e a Talinda.

Depois há os primos, os tios, os sobrinhos e as sobrinhas, os avós, os maridos, as esposas, os namorados e namoradas. Padrastos, madrastas, enteados e enteadas.

Então pode-se imaginar como eram os natais do Chester. Um corrupio de gente e havia sempre alguém que ficava de fora e magoado, que arranjava um vendaval e uma zanga, implicâncias de quem não percebia que era normal haver um esquecimento quando era preciso lembrar de uma multidão considerável, exigente e cheia de manias. Havia sempre confusão no Natal com o Chester, ou porque desdenhavam dos presentes, ou porque não tinham sido convidados para a festa grande que ele promovia na sua casa, ou porque se sentiam desprezados quando estavam na festa e não recebiam o exclusivo da sua atenção. Com a agravante de que uma das suas irmãs fazia anos no dia de Natal, 25 de dezembro, e era sempre obrigatória uma celebração dupla – quando essa irmã concedia em estar presente, o que nem sempre acontecia.

A Talinda gostava de juntar todos e de harmonizar essa massa eclética de pessoas e de feitios, dentro das suas capacidades e inteligência, que eram consideráveis e que conseguiam alcançar resultados notáveis. Esforçava-se para que toda a gente se sentisse confortável, aceite, feliz e satisfeita. Mas eram sempre muitas personalidades para gerir, distâncias que era preciso vencer, tanto físicas – nem todos se podiam deslocar facilmente à Califórnia, mesmo o Chester pagando as viagens, pois moravam em estados diferentes – quanto emocionais. Sempre que se abusava do ponche ou do eggnog havia quem despejasse o que lhe ia na alma e as acusações aconteciam.

- Como foi o Natal em casa? – perguntava-lhe.

E ele, que nunca revelava os seus podres, para não impor a sua desgraça aos outros, foi sempre assim desde que nos conhecemos, havia mais de quinze anos, respondia:

- Espetacular.

Quando a resposta era essa, tinha havido problemas. Se ele me respondesse:

- Foi excelente.

Já teria sido um pouco melhor.

Por isso, antes da data propriamente dita, o 25 de dezembro, eu, Michael Kenji Shinoda, juntamente com a minha mulher e os meus filhos, chamava o Chester à minha casa, que vinha, claro, com a mulher e os filhos dele. A ideia seria passarmos um serão descontraído em redor da árvore de Natal e de uma mesa farta, trocarmos presentes. Acrescentávamo-nos à multidão familiar do Chester, com a firme convicção de nos juntarmos numa reunião mais pacífica e amena. E era mais tranquilo, de facto.

O Lado Oculto da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora