A sessão de fotografias aconteceu no Salton Sea, um lago salgado, estéril e tóxico situado diretamente sobre a falha de Santo André, na Califórnia. Foram apresentadas várias hipóteses e eles escolheram ir para aquele local por lhes ter parecido uma paisagem lunar e perigosa. Assim que desceram do autocarro foram acolhidos por uma atmosfera pesada e um odor nauseabundo. Alguém gritava que cheirava mal, outro avisava que iria vomitar.
Essas partes menos glamorosas não estavam patentes no caderno luxuoso, estilo livro, que se fez posteriormente dessa sessão fotográfica e que foi oferecido a cada um dos participantes – modelos, fotógrafos, técnicos e demais pessoal. Era uma coisa que se fazia naqueles tempos, pensava Mike com uma certa nostalgia doce, com o livro editado em mãos, cada página ocupada por uma imagem em alta resolução, identificada por uma legenda sumária. Uma compilação das melhores fotos, uma recordação para a posteridade daquele momento específico.
Encontrara o livro quando andava à procura de uns blocos antigos com letras de músicas. De vez em quando gostava de ir escavar nas suas velharias para resgatar a inspiração que lhe fugia, elusiva, zombando das suas tentativas de concentração. Descobrira aquele pedaço da história da banda, uma das inúmeras migalhas que formavam o carreiro mágico através da floresta densa que eles foram semeando até ali e trouxera o livro para o seu estúdio.
A sessão fotográfica para o novo disco de então, Minutes to Midnight.
Trancara a porta – tinha visitas barulhentas em casa e andava a inventar qualquer desculpa para se esquivar ao convívio, uns primos afastados da Anna que vinham do Nevada – e refugiara-se com o livro entre mãos, a convocar os pormenores da lembrança. Na verdade, ninguém andava atrás dele, mas se se fingisse ocupado, deixavam-no em paz.
Sentou-se na sua cadeira giratória. Colocou o livro no colo, passou a mão pela capa macia. Os dedos detiveram-se sobre a linha do maxilar do Chester. Desenhou-lhe o contorno, como se estivesse a fazê-lo realmente. Devagar, a barba a arranhar-lhe a pele, a contração da cara por ser um gesto ousado... Apertou os dentes, aborrecido com a sua fraqueza.
Abriu o livro numa página. O interior era em papel fotográfico, brilhante, de qualidade, os rostos fitavam-no expressivos como se os estivesse a vislumbrar através de uma janela – a janela do tempo.
A ideia de irem fotografar para o Salton Sea fora excelente. As reações extremas dos companheiros estimularam-no e Mike andava elétrico, de um lado para o outro, a tecer elogios ao sítio, apimentando tudo com adjetivos carregados, como sinistro, putrefacto, asqueroso, sepulcral, pustulento, medonho. Dali iria sair a capa para Minutes to Midnight, referência ao relógio do fim do mundo que contava os minutos que faltavam para a aniquilação da humanidade. E que melhor paisagem para refletir a angústia do apocalipse do que um sítio moribundo?
Sem contar com os cheiros a doença e a podridão, os cardumes de peixes mortos a boiar junto às margens, a desolação de contemplar a natureza esmaecida, o dia fora surpreendentemente agradável. Mike recordava-se como a sua exaltação contagiara os outros e em breve o bom humor espalhava-se entre eles, como fogo num matagal seco. Havia imensas gargalhadas guardadas naquelas fotografias, embora estivessem todos com umas expressões sérias e rígidas – pois evitavam respirar para não encherem os pulmões com aquele ar fedorento. Ele até espetara um peixe numa cana e fizera uma brincadeira com o Chester, dizendo-se um fã que esperava por um autograma seu.
- Um autograma? – rira-se Chester.
Ele prosseguiu com o teatro, não se desmanchando:
- Sim. Um autograma!
Sacou do seu telemóvel, tirou uma fotografia ao livro aberto e colocou-a no grupo de mensagens que eles partilhavam. Os seus dedos voltaram a pousar no vocalista e mais uma vez traçaram a figura cuidadosamente, com uma certa sensualidade, desenhando o braço, a curva do ombro, o pescoço.
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O Lado Oculto da Lua
FanfictionMike e Chester têm uma relação conturbada desde que se conheceram. Guardam segredos e compartilham sentimentos, mostram ao mundo a sua união e desunem-se em privado sem conseguirem viver um sem o outro. Entre encontros e desencontros, altos e baix...