XXIII - Coração

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Será que se nota muito? Eu tento disfarçar, mas está a consumir-me.

Foi como se me tivessem tirado o chão – fiquei perdido, sem saber o que fazer a seguir. Tinha umas ideias, estava a preparar o momento, a encher-me de fogo, a relembrar como prefiro e como gosto, os detalhes a fluírem como gotas de lava e atiraram-me um balde de água que me deixou ensopado, congelado, desligado.

Arrancaram-me um dente a frio, amputaram-me um braço.

É um exagero. Eu sei. Eu sei! Não devia martirizar-me desta forma tão absoluta e dramática... Pareço um idiota frustrado e se calhar acontece que sou mesmo um idiota frustrado.

Mas estou a tentar disfarçar. Engulo o meu orgulho e tento agir normalmente.

Até perdi o apetite. Como uma bolacha do Brad e elogio o seu sabor diferente, com um travo a pimenta, mas a pasta enrola-se na minha língua e eu tenho de beber um sumo para forçar aquilo pela garganta abaixo.

Fiquei irritadiço e zangado. Estou a ter um esgotamento emocional, sinto-o da alma aos ossos, a espalhar-se como um cancro que me devora as células.

Vejo-o a sair com ela e não consigo desviar os olhos. A minha visão afunila-se e tudo o que se encontra na periferia se esbate e eles, o casal, é realçado. Para aumentar o meu padecimento continuo a vê-los, fixo-o a ele, amo-o, admiro-o, desejo-o ainda mais, marco os seus gestos.

É a mulher dele ali. É a Talinda. O que raio estou para aqui a pensar?!

Estou a sofrer de um ataque agudo de ciúmes da Talinda. Traduzindo, estou a enlouquecer. Não devia estar assim – mas estou! Queria o Chester para mim esta noite, antes do espetáculo, depois da atuação, quando fosse possível e eu o conseguisse capturar, mas com ela na vizinhança não posso avançar. Não devo. Nunca fico com o Chester quando existe a Talinda, ou quando existe a Anna. Temos essa regra fundamental que não se pode quebrar, nunca. Já é demasiado arriscado e intenso o que fazemos. Se começamos a perder o controlo, será o fim. Uma bomba de neutrões, o apocalipse, fim do mundo.

Nem quero pensar nessa possibilidade e luto com todas as minhas energias para evitar esse desfecho desagradável. Se a relação que tenho com o Chester é revelada, acho que me mato só com a vergonha de assumir, publicamente, o que temos. E ele também não vai aguentar o escândalo. Os Linkin Park não vão suportar esse cataclismo. E há tanta gente que depende de nós.

Como qualquer coisa, empurrando para o fundo da boca. Ao fim de algum tempo, desisto deste fingimento patético. Abandono a sala onde nos servem os aperitivos que antecedem o jantar. Faço-o o mais discretamente possível, depois de uma análise rápida ao cenário em que vejo toda a gente divertida e distraída. Caminho furtivamente, dou graças aos céus pela alcatifa fofa que me abafa os passos. Estou a escapulir-me como um ladrão de joias numa festa de ricos.

Apanho o elevador. A minha paranoia é tal que acho que consigo cheirar ali o perfume da Talinda. O perfume do Chester. A fragrância da sua excitação... de como ele é quente, macio, tentador. O toque dos seus dedos, o hálito morno na pele do meu pescoço, o suor doce que se cola ao meu, a insinuação dos seus suspiros. Cerro os dentes. Passo a mão pela barba. Merda! Enquanto estou a ter este devaneio, ele está na cama com a mulher. A... a... Evito o insulto. A amá-la. O Chester ama a sua mulher, assim como eu amo a minha. Isto que eu tenho com ele é só luxúria, pecado, rebeldia, insensatez. Nunca foi amor. É um vício desgraçado. É a minha perdição.

Chego ao quarto. Fecho a porta atrás de mim, encosto-me a esta. Respiro forte e superficialmente. Estou sem ar, não sou capaz de realizar os movimentos respiratórios corretos. Sufoco, afogo-me, lamento-me.

O Lado Oculto da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora