Quando o Mike lhe dizia aquelas coisas, chegava a ficar excitado e queria logo ir ter com ele para descarregar a tensão. Mas estando em casa, não podiam encontrar-se como o faziam em digressão. Por isso tinha de aplacar o desejo e distrair-se com a normalidade dos dias. Descontar no ginásio era uma opção. Suava tanto e ficava tão estourado que varria ideias descabidas.
Nem sempre resultava bem, contudo. A sessão intensiva de exercício punha-o mais faminto, as imagens fixavam-se na sua mente e ele rebobinava o filme sem parar. Uma e outra vez, aumentando-lhe a carência e a dependência. Acontecia depois ficar de mau humor e calado. Inatingível. Mergulhado no telemóvel, a navegar por sites banais, por outras páginas imbecis que não lhe ensinavam nada, lendo mexericos das fake news. Em alternativa agarrava na viola e dedilhava acordes avulso, que não se ligavam numa canção. Som à solta, que era mais ruído do que música. Ou escrevia poemas sobre morte, destruição, sombras. Rasgava tudo, aproveitava algumas frases com que compunha novos poemas, menos assustadores, menos reveladores. Isso refletia a sua cabeça em turbilhão, a tempestade que se chocava dentro de si e lhe aprisionava a alma.
Isolava-se numa bolha artificial que não acabava totalmente com aquele estado de ansiedade que o transformava na pior das pessoas. Zangado, ruim, imparcial, excessivo, inadaptado, implicativo.
A sua mulher reconhecia os sinais e deixava-o em paz. Por algum tempo, aquele que considerava suficiente para que ele se curasse por si, na firme convicção de que ele tinha de conseguir criar mecanismos para travar as suas batalhas e vencê-las. Ser autossuficiente. Mas se continuasse a manifestar indícios de que se afundava, ela aparecia e resgatava-o. Com as duas mãos, puxava-o do lodaçal onde ele já mal respirava, ferido e derrotado. Ele também deixava que a Talinda fizesse isso. Controlava as suas crises no fio da navalha – até ir cada vez mais fundo, até vaguear durante cada vez mais tempo, até ultrapassar o ponto de não retorno, empurrando essa linha mais para o interior do abismo.
Era com um prazer mórbido que avançava escuridão adentro. Queria perder-se no labirinto, queria experimentar o desespero maior de todos. O toque gelado da perdição.
Ao mesmo tempo, mantinha o braço esticado, a mão de dedos abertos, a implorar pelo resgate. Que acontecia sempre. Ele ficava desanimado. Não tinha sido daquela vez... era uma pena. Estava constantemente a adiar o inevitável, sussurrava-lhe o demónio. Um dia vai ser irreversível, ninguém vai chegar no minuto certo e depois é a derradeira queda.
Estendeu-se no tapete do ginásio. Chão duro contra as costas despidas. Vestia apenas uns calções e estava descalço. Tinha frio, mas não procurou agasalhar-se. O seu peito subia e descia, a boca aberta, recuperava o fôlego depois de se ter estafado a fazer flexões na barra fixa.
Porque é que me fazes isto, Mike? Merda! Só penso em ti quando dizes que queres estar comigo... não devia pensar, porque tu não pensas. Eu sei. Tens a tua vida, eu tenho a minha. Mas é bom, eu gosto... gosto bastante da tortura. Foste sempre tu que me procuraste. Foste tu que te apaixonaste primeiro. Mas nunca o dizes... nunca sei se realmente...
Calou o pensamento. E precisava de saber?
Não era nada parecido com amor... não, mesmo nada. Era tudo físico e rápido. Desejo. Volúpia. Paixão. Fornicação. Ele gostava de o fazer, para provocar o Mike, para o deixar encurralado e exaltado. Apreciava sentir o pico de adrenalina, a excitação de ter um orgasmo intenso de culpa e de pecado.
Depois, como numa moeda, havia o outro lado. Cara e coroa. Para além da atração física havia uma amizade bastante sólida entre eles. E eram colegas de ofício. Estariam ligados enquanto durasse qualquer uma das faces da moeda que ele girava quando se encontravam. Amigos. Amantes. Verso e anverso. Se a música terminasse, a energia que os movia, a moeda pararia, tudo esfriava e seriam outro deserto morto. Como em qualquer relação. Há o amor e depois o amor termina.
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O Lado Oculto da Lua
FanficMike e Chester têm uma relação conturbada desde que se conheceram. Guardam segredos e compartilham sentimentos, mostram ao mundo a sua união e desunem-se em privado sem conseguirem viver um sem o outro. Entre encontros e desencontros, altos e baix...