XXVI - Depois

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Não dava para aguentar mais.

A corda partiu-se. E terminou.

Evitei ao máximo, mas não sou nenhum mártir e a minha paciência não é infinita. A minha vida tornou-se insuportável, caótica e miserável. Comecei a sentir-me incrivelmente mal com tudo aquilo, até que me convenci de que se tinha culpas no cartório, não estava sozinho na atribuição de responsabilidades. Eu tentei. Se calhar a Sam também tentou, mas a verdade é que a nossa história terminou e só nos restava apanhar os cacos e ir cada um para o seu lado.

Ela acusou-me da maior parte das coisas ruins que destruíram o nosso casamento, a começar pelos meus vícios e a terminar na banda que agora era toda a minha vida. Claro, ela estava magoada. E eu acusei-a de não me ter apoiado quando eu mais precisava, critiquei-a pelo seu egoísmo e pela sua cegueira. Claro, eu estava magoado.

Quando um casamento se desmorona é sempre a dois.

Não queria separar-me da Sam. Amei-a. Ao meu jeito, cheguei a amá-la. Ela foi importante na minha vida e aturou o meu lado pior – o desespero, a raiva, a frustração, esteve comigo quando eu era ninguém, um homem cheio de sonhos de vir a ser uma estrela da música e que se perdia em empregos lamentáveis. E depois levou com o embate bruto de quando me tornei famoso. Foi muita mudança para gerir. O nosso mundo deu uma daquelas cambalhotas improváveis que deixam tudo de pantanas.

Esperava que ela fosse mais forte. Ela sempre foi forte por nós os dois. Acreditou em mim quando eu não acreditava, ajudou-me quando os meus demónios espreitavam para me levar, foi amiga quando eu não tinha amigos, foi amante quando à minha volta não havia amor, apresentou-me a pessoas que foram fundamentais para me conduzirem onde estou agora, amparou-me em momentos difíceis, ouviu-me as queixas, enxugou-me as lágrimas.

No entanto, com o terramoto chamado Linkin Park ela fraquejou. Quis o que eu não lhe pude dar, o que eu já não sabia ser e tornou-se vingativa, destruidora e caprichosa. Ter um filho meu que a deixasse entretida enquanto me ocupava com a minha exigente carreira não lhe bastou e pronto, tudo se tornou penoso.

Deixei de conseguir suportá-la, ela foi pela mesma via. Tudo o que eu era passou a ser irritante para ela, tudo o que ela era passou a ser repulsivo para mim.

Os meus pais também se divorciaram e foi uma merda. Não queria isso para a minha vida. Um divórcio. Mas como disse, relembro, exausto desta batalha estúpida contra a mulher que eu jurei amar para sempre, até ao fim dos meus dias, numa noite mágica de Halloween, aquela que era o meu anjo negro que me enfeitiçava e que eu venerava, relembro que não sou nenhum mártir e a minha paciência não é infinita.

Eu e a Sam estamos separados há meses. Ainda sinto remorsos por ter saído de casa no meio de uma discussão violenta, com a Sam a atirar-me o que apanhava à mão, a berrar e a chorar como uma possessa, mas também sinto alívio por não ter de lhe aturar o mau feitio que era constante nos últimos tempos.

Só tinha sossego quando estava com o Mike e com os outros, em digressão ou no estúdio de gravação ou em qualquer lugar onde convivia com a banda e o nosso staff. Retomei alguns vícios antigos, passei a embebedar-me todas as noites e estava a transformar-me no farrapo que já fui. Tinha de colocar um ponto final nesse estado e decidi-me.

Foi o fim do meu casamento.

Os papéis do divórcio já deram entrada no tribunal competente. Como temos um filho, o Draven, e há muito dinheiro envolvido vai levar o seu tempo. A Sam resolveu complicar tudo e quer sair beneficiada com o negócio. Sente-se ultrajada, disse-me o seu advogado, na última reunião que tivemos, os quatro – eu, a Sam e os respetivos advogados. Traduzindo, quer sugar-me o que puder, a sua última humilhação. Vou deixar que ela faça tudo, até ao meu limite. Uma linha que eu tracei mentalmente.

O Lado Oculto da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora