LI - Dias

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O sol brilhava do lado de fora. Via toda aquela luz abençoada através da janela fechada e achou o mundo bonito. O mundo seria sempre mais bonito durante o verão e quando se estava de férias.

Como fazia quando era criança, colou o nariz à vidraça e ficou a imaginar os cheiros e as sensações, o toque quente na pele, o arrepio saudável de quando bebia água gelada, o suor que queimava o pescoço exposto, a dureza do chão enquanto corria. Viajou no tempo. Escutou a voz do pai que o levava até ao cabo Canaveral para verem o lançamento dos satélites, à boleia dos foguetões que rugiam e faziam trepidar a terra durante a descolagem. O seu dedo fino e branco a apontar o céu, a seguir a trajetória do veículo espacial, esguio e brilhante, que subia e desaparecia.

- Vai trazer extraterrestres, papá? Quero conhecer um marciano.

O pai ria-se. Falava-lhe de comunicações melhores, de avanços de tecnologia, das experiências científicas. Ele só queria saber dos homenzinhos verdes e cantava as canções que aprendia com a Rua Sésamo sobre o Sistema Solar, recitando os planetas com ares de sabedor.

Faziam piqueniques num enorme parque florestal, junto ao Centro Espacial, que acolhia muitas famílias aos fins de semana. A algazarra típica das crianças juntas. Ele fazia amigos esporádicos, aquele tipo de amigos que só existem nas férias, que duravam duas horas e era suficiente. Brincavam às naves espaciais, ele contava que o pai construía foguetões, daqueles que levavam satélites para o espaço e que traziam de volta extraterrestres. Os pais dos outros meninos também trabalhavam para a NASA. Eram engenheiros, técnicos, cientistas. Todos os meninos tinham o sonho de voar e conheciam as mesmas canções da Rua Sésamo.

- Tiveste muita sorte... com essa idade eu estava a tentar sobreviver a um divórcio – contava Chester, a fumar descontraído o seu cigarro. – Aos onze anos mudei-me para a cidade de Dallas, no Texas, atrás da minha mãe e do meu padrasto. Foram tempos fodidos... não me adaptei, nunca me adaptava a nada. Só queria uma daquelas famílias felizes que eu via na televisão, com pais que ganhavam muito dinheiro ao ponto de a mãe ser apenas uma alegre dona de casa que limpava o pó com um espanador colorido. Os miúdos dessas famílias eram todos bem-sucedidos, saudáveis, satisfeitos com a vida. Sem problemas... deviam também fazer piqueniques aos fins de semana. Na minha casa havia muito silêncio e eu fugia. Passado pouco tempo, o meu pai foi-me buscar e regressei a Phoenix. A minha mãe era enfermeira, fazia turnos. Não podia ocupar-se de mim. E o meu padrasto também tinha de trabalhar para pôr comida na mesa. Resultado, tornei-me num miúdo um pouco perdido...

- Muito lixado – concordava Mike, pensativo. – E a Rua Sésamo?

- Sim, muito fodido. A Rua Sésamo cuidava de mim, como cuidou da nossa geração. Pais a trabalhar, crianças abandonadas em frente à televisão. Mas tudo bem... sobrevivi e fez de mim quem sou.

- Não gostavas das férias?

- Gostava, claro! Ia acampar com o meu pai, íamos pescar num lago. Muito bom! Como tinha duas casas, também fazia visitas a Dallas. Aí não era tão divertido, não fazia mais do que passeios no parque ou íamos até ao centro comercial andar num carrossel. Sempre preferi a natureza, meter as mãos na terra, brincar com os bichos.

- Chester Bennington gosta de bichos?

- Pois claro que gosto! Tu, não?

- Mais ou menos... sim, gosto de animais. Temos um cão. Não posso ter gatos por causa das alergias... tu sabes.

- Então, ias para Miami ver os foguetões descolar. Muito cool, meu.

- O meu pai queria que eu fosse engenheiro, como ele. Mostrava-me os foguetões para ver se me entusiasmava. Mas eu só lhe perguntava por extraterrestres e cantava.

O Lado Oculto da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora