Capítulo 22 - Sombras do Passado

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Enquanto o Senhor Demônio permanecia em seu escritório, perdido em seus pensamentos, memórias de sua infância começaram a emergir das profundezas de sua mente, assombrando-o com uma clareza dolorosa.

Desde cedo, ele sempre foi resguardado por Donatella Caccini, sua mãe. Marfim, seu pai, sempre se mostrou contrário aos ensinamentos e à proteção que Donatella oferecia ao jovem Demônio. O desgosto de Marfim com seu filho crescia a cada dia, até culminar em uma noite fatídica.

Era uma noite comum, e Donatella estava ao lado de seu filho, lendo uma história para ele, tentando acalmar os medos de uma criança pequena e inocente. De repente, a porta do quarto foi aberta bruscamente, e Marfim Caccini entrou com uma expressão feroz, acompanhado de seus homens. A cena foi tão repentina que ambos, mãe e filho, se assustaram.

— Donatella, saia da frente. A partir de agora, esse garoto irá virar homem, para que no futuro possa ser o herdeiro. — Marfim declarou, sua voz cheia de determinação fria.

Donatella se colocou entre Marfim e seu filho, seus olhos suplicantes e cheios de lágrimas.

— Marfim, por favor, ele ainda é uma criança. Deixe-o crescer em paz. — Ela implorou, mas sua voz falhou em suavizar o coração endurecido de Marfim.

— Uma criança? — Marfim respondeu, sua voz carregada de desdém. — Ele precisa aprender a ser forte. Precisamos de um líder, não de um fraco.

Sem dar mais ouvidos às súplicas de Donatella, Marfim ordenou que seus homens agarrassem o jovem Demônio. Ele foi tirado à força dos braços de sua mãe, enquanto ela gritava e chorava, implorando por misericórdia.

Os homens de Marfim levaram o jovem Demônio para fora, para um terreno baldio perto da mansão. Lá, começaram a submetê-lo a uma série de provas cruéis, físicas e psicológicas, destinadas a "endurecer" o menino. Marfim observava de perto, seu rosto sem qualquer traço de emoção.

Primeiro, houve a tortura física. Ele foi amarrado a uma árvore e chicoteado, cada golpe cortando sua pele e sua alma. Quando desmaiava de dor, era acordado com baldes de água gelada e obrigado a ficar de pé, mesmo que suas pernas trêmulas mal pudessem sustentá-lo. Marfim exigia resistência, e a dor era sua ferramenta de ensino.

— Você precisa aprender a sobreviver, a lutar, a não depender de ninguém. — Marfim dizia, suas palavras cravando-se na mente do jovem Demônio.

Então vieram as lições de combate. Ele foi forçado a lutar contra homens mais velhos e mais fortes, sendo derrubado repetidamente até aprender a contra-atacar. Suas mãos ficaram ensanguentadas e machucadas de tanto socar e defender. Marfim queria que ele soubesse como derrotar qualquer oponente, não importa o tamanho ou a força.

Houve também os ensinamentos de tiro. Durante dias, ele foi obrigado a praticar com armas de fogo, aprendendo a mirar e disparar com precisão mortal. Cada erro era punido severamente, mas Marfim não tolerava falhas. Ele tinha que ser perfeito, ou sofrer as consequências.

Além da violência física, Marfim incutiu em seu filho lições de estratégia e manipulação. O jovem Demônio foi ensinado a mentir, enganar e trair sem remorso. Jogos de xadrez complexos e simulações de guerra eram suas atividades diárias, onde ele aprendia a prever movimentos, a criar armadilhas e a sempre estar um passo à frente de seus adversários.

Marfim também o ensinou a esconder suas emoções, a manter uma fachada impenetrável. "Sentimentos são fraquezas", dizia ele. O jovem Demônio teve que aprender a sufocar suas lágrimas, a esconder seu medo e a nunca demonstrar qualquer sinal de vulnerabilidade.

No meio daquela brutalidade, o jovem Demônio olhou para seu pai, sentindo não apenas dor física, mas um profundo ódio e ressentimento. Cada golpe, cada palavra cruel, cimentava um futuro de amargura e vingança.

— Lembre-se, Donatella, isso é para o bem dele. — Marfim gritou para sua esposa, que assistia em lágrimas.

Donatella, impotente, chorava em silêncio, sabendo que nada do que fizesse ou dissesse poderia deter Marfim.

O Senhor Demônio voltou à realidade com um sobressalto, as memórias dolorosas ainda frescas em sua mente. Ele sempre guardara aquele ódio profundo, aquele ressentimento amargo. A indiferença e a crueldade de seu pai haviam moldado sua personalidade, fazendo dele o homem que era agora.

Quando sua mãe o questionava sobre não visitar o pai, ela não compreendia o peso dessas lembranças. Não era apenas um pai doente que ele estava evitando, mas o fantasma de uma infância roubada e uma juventude marcada pela brutalidade. Ele sabia que precisava resolver esses conflitos internos, mas cada passo em direção ao perdão parecia uma montanha intransponível.

Com um suspiro pesado, ele voltou sua atenção para os papéis em sua mesa, tentando, mais uma vez, enterrar as memórias dolorosas e se focar nas responsabilidades que o aguardavam. No entanto, a sombra de seu pai ainda pairava sobre ele, um lembrete constante do passado que ele não podia esquecer.

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