Ciúmes

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Eu passei essa semana pensando muito. Avaliando minha vida, meus valores, meu relacionamento conturbado com Regina, não a entendia, ela era complexa, intensa, de um mundo muito diferente do meu. Nem ao menos sabia se me procuraria novamente, pois me deixara em casa no domingo sem marcar ou prometer nada. Aliás, depois daquele sábado no clube e da minha declaração de amor em sua casa, ela praticamente ficara muda. Um clima estranho se estabelecera entre nós. Agora era sexta-feira e eu não soubera nada dele durante a semana. Dei-me conta que não tinha nem o número do seu telefone.
Trabalhei, segui meu caminho, mas com ela na mente o tempo todo. Sentia raiva de mim, pois estava mais do que claro que não se importava comigo. Apenas me usava. Mas então vinham as dúvidas: Por que me levara naquele clube e depois me fitara com raiva ao me ver com seu amigo? Por que exigira saber o que eu sentia por ela? Eu não sabia o que esperar cada vez mais embaralhada naquela confusão. Mas o pior de tudo era a saudade. Mesmo com todos aqueles fatos, eu a amava, pensava nela a cada segundo, sentia a sua falta e esperava ansiosamente para saber se naquele final de semana ela me ignoraria ou me procuraria. Era final de tarde e eu estava sentada na recepção ao lado de Lily. Tudo estava tranquilo e nós conversávamos baixo. Como sempre, ela me convidava para sair e dizia que eu não devia esperar Regina pelo resto da vida. Foi quando contei que ela me procurou há uma semana. Ela arregalou os olhos:
- É sério? E você não disse nada! Caramba, por essa eu não esperava! E aí?
- Fui para a casa dela na sexta e só voltei no domingo. – Falei, um pouco sem graça.
- Menina! Que sortuda! Ruby disse que é um luxo! Olhei-a na hora.
- Ruby já foi lá?
- Foi eu não te disse? Teve uma festa na casa dela e ela foi com Zelena, parece que elas estão se pegando.
- E ela... Ela ficou com Regina?
- Quer saber os detalhes? – Lily me olhou, erguendo uma sobrancelha. – O que isso importa?
- Eu só gostaria de saber.
- Não. Ela ficou com duas mulheres que estavam lá. E que fizeram todas as vontades dela.
Fiquei corada, abaixei os olhos, engolfada pelo ciúme e por um sentimento de impotência, ela podia ter qualquer mulher. Elas se submeteriam sem pestanejar às suas taras. Por que ficaria comigo, que no final das contas sempre acabava vacilando, dando trabalho a ela?
- O que foi Emms? Não devia estar feliz? Afinal, ela disse que nunca mais ia aparecer e no final das contas te procurou.
- Ainda não entendo. Ela é muito complicada, Lily, não sei o que esperar.
- Regina foi exigente com você?
- Tem os desejos dela. Tento me adequar, mas no fundo... Não é isso que quero.
- Sei. Deseja apenas a ela.
- Sim.  Lily deu um tapinha em minha mão.
- Querida, já te falei, esse romantismo só atrapalha a sua vida. Aproveita as delícias que ela te oferece boba! Se fosse eu, estaria dando pulos de alegria.
Não falei mais nada. Uma senhora se aproximou e eu a atendi. Os minutos se arrastaram. Faltavam cinco para sairmos, Lily guardava as coisas em sua bolsa ao meu lado e eu estava parada, fechando a tela do computador, quando alguém parou em frente ao nosso balcão arredondado. Ergui os olhos e não acreditei ao fitar os lindos olhos castanhos de Regina, ela me fitava fixamente, maravilhosa em um terno prata com um generoso decote, que mostrava seu sutiã de renda preto, seus cabelos levemente despenteados.
- Vim buscar você, Emms. – Avisou calmamente. Fiquei muda. Meu coração disparava, Lily deu-me uma leve cotovelada, se levantou e sorriu, dizendo:
- Olá, Regina.
- Oi, Lily. Tudo bem?
- Sim, tudo. Bem, vou indo. Tchau, crianças.
- Tchau. – Consegui balbuciar. Meus olhos não saíam dela. Por fim, falei:
- Não sabia que você vinha. Vai me levar em casa?
- Pensei em irmos direto para a minha. Passe o fim de semana comigo.
- Mas não trouxe nada.
- Tem tudo o que precisa lá. Vamos? Havia um clima estranho entre nós, um leve desconforto. Tudo era muito intenso e complexo, mais do que gostaríamos e ambas parecíamos sentir. Concordei com a cabeça. Terminei de desligar o computador, peguei minha bolsa e fui para o lado dela. Regina fitou minha boca, séria. Depois segurou meu cotovelo e me acompanhou para fora. Acenei para meus colegas de trabalho que saíam e nos olhavam curiosos. As garotas a fitavam maravilhadas, cochichando. Imaginei o que diriam: “Onde a pobre Emma foi arrumar uma mulher dessas?” Não dissemos mais nada, até entrarmos no carro dela com motorista, que logo se pôs em movimento. Lembrei-me da outra vez em que fizemos amor ali, o desejo me engolfou na hora. Mas tentei não pensar naquilo e me controlar. Olhei pela janela, até que Regina segurou minha mão no colo e disse baixo:
- O que você tem?
- Nada. – Virei e encontrei seu olhar sério, velada, observadora.
- Está triste.
- Não. Eu só...
- O quê?
- Não sei ao certo o que dizer.
- Diga o que quiser Emms. – Seus dedos acariciaram suavemente a palma da minha mão. Havia uma energia densa, quente, dentro daquele carro. Eu a sentia mais compenetrada, mais fechada. Como se algo também a incomodasse.
- Como ficamos? – Perguntei por fim, apelando para a franqueza.
- Você ainda nem me deu um beijo.
- Gina... -Tudo que eu queria era beijá-la, abraçá-la, sentir seu toque, seu gosto, seu cheiro. Mas ao mesmo tempo não queria ser distraída com tudo aquilo. – Se eu te beijar agora, vou esquecer tudo.
- E não é melhor assim? – E ela já me puxava para seu colo, segurava meu cabelo e me dava um beijo gostoso na boca. Não resisti. Abracei-a com força, estremecendo arrebatada, retribuindo seu beijo. A saudade fez tudo se tornar ainda mais intenso, prazeroso, até doloroso. Quando acabou, ela continuou comigo em seu colo e me olhou bem de perto.
- Agora diga o que a incomoda.
- Final de semana passado. Por que ficou com raiva de mim no clube?
- Não fiquei.
- Eu senti. Regina soltou a presilha que mantinha meu cabelo em um coque e logo em seguida o bagunçou. Acariciando as mechas loiras.
- Eu queria você lá, entregue, fazendo as minhas vontades. No entanto, você vacilou de novo, Emms.
- Eu tentei. Fui até o final por você, mesmo...
- Mesmo o quê?
- Sabe que não estou acostumada com essas loucuras. Que por mim, faria amor só com você. Não consigo entender por que... Por que precisa tanto disso?
- Essa sou eu. Nunca escondi o fato.
- Não, nunca escondeu. Mas essa necessidade, essa loucura toda, não consigo entender. E quando faço o que quer você parece irritada! Sinto que nunca consigo ser o que você espera.
- Nisso tem razão. – Ela acabou sorrindo. Mordiscou levemente meu queixo. Falou baixinho: - O que me agrada.
- Como?
- Você me instiga Emms, depois de tudo que fizemos na Ilha ou aqui, a sua doçura, o seu olhar entregue e puro, o seu modo romântico de ver a vida, continuam inalterados.
- Eu mudei muito. – Confessei. – Nunca me senti tão confusa e perdida, agora mesmo, não sei o que espera de mim. O que planeja para esse fim de semana.
- E mesmo assim, veio comigo. – Acariciou minha garganta com a ponta do dedo, seu olhar cheio de sombras naquele carro.
– Vamos combinar uma coisa. Nesse final de semana seremos só nós duas, não quer dizer que meus desejos e taras não se manifestem, mas no sábado e no domingo eu os resguardarei. Está bem assim?
- Muito. – O alívio me engolfou e toquei seu rosto com amor. Segurei-a com ambas as mãos, beijei sua face, suas pálpebras, seu nariz e lábios, cheia de ternura. Regina respirou pesadamente, seus dedos enterrados em meus cabelos e minha cintura. Assim me beijou na boca, sua língua exigente lambendo a minha, explorando o interior, acendendo-me em chamas de desejo. Eu retribuí mais apaixonada do que nunca, feliz por que a teria todo o final de semana. O amor que sentia por ela beirava a obsessão e sabia que mesmo que tivesse dito que iríamos de novo ao clube ou em uma nova orgia, eu aceitaria.
- Conte-me como foi sua semana. – Ela exigiu rouca, sem tentar fazer amor ali, mas mantendo-me ainda em seu colo.
- Igual a todas as outras. – Dei de ombros. Seu olhar desceu por meu corpo, acariciando de leve a gola do meu uniforme azul marinho.
- Essa roupa é horrível! Gosta do seu trabalho?
- Sim. – Embora apenas para sobreviver. Era um trabalho como outro qualquer.
- Esse sim parece um não. Por que não o larga? Sorri, divertida, encarando-a.
- Eu preciso pagar minhas contas.
- Eu pago para você.
- O que? – Ri, como se fosse brincadeira, mas ela estava séria. Continuou:
- Enquanto estamos juntas, te dou uma mesada muito maior do que ganha agora trabalhando. E depois...
- Depois, fico sozinha e desempregada. Não, obrigada.
- Não ficará desempregada. Tenho muitos contatos, arrumo um bom emprego para você.
Notei que não corrigiu o fato de que eu ficaria sozinha. Na cabeça dela, fatalmente me deixaria em algum momento e não me ofereceu depois um trabalho em uma de suas empresas, afinal, depois que me largasse, possivelmente ia querer o menor contato possível comigo. Fiquei incomodada com aquele assunto. Por fim, respondi:
- Prefiro do modo que está Regina, sem envolvermos nada financeiro. Estou satisfeita assim.
- Tudo bem, mas se mudar de ideia, a proposta continua de pé.
- Obrigada, mas não vou mudar. – Troquei de assunto logo:
- O que faremos hoje?
- Vou foder você.
Sua resposta imediata me fez rir, ela sorriu também, charmosa, safada, sua mão subiu ao meu seio.
- Está com saudade? – Provoquei.
- Muita. Durante a semana pensei em te procurar diversas vezes. -Isso deixou meu coração acelerado.
- Sério?
- Sério.
- E por que não o fez?
- Acho que precisávamos de um tempo.
- Você... Procurou outras mulheres? – Perguntei baixo, nossos olhos unidos.
- Não. O alívio me engolfou como uma onda. Ela percebeu e foi até fria naquele momento:
- Nunca pedi a você exclusividade, Emms, nem prometi em troca, faço o que quiser e você também. Esse é o trato, lembra?
- Sim, lembro. – Engoli em seco. Uma raiva estranha se contorceu dentro de mim, o ciúme cada vez mais voraz. Lembrei-me da sensação horrível de vê-la com Anna e do que senti quando Lily disse que ele havia transado com duas mulheres na festa. Mesmo ciente de tudo aquilo, eu não podia controlar meus sentimentos. Quis causar a mesma coisa em Regina, embora soubesse que ela não se importaria. Mesmo assim, contei o que tinha acontecido na terça daquela semana:
- Um colega de trabalho meu o Killian, um dos advogados da firma, me chamou para sair na terça.
- E? – Regina estava quieta, olhando-me sério.
- Às vezes ele faz isso. – Dei de ombros, o que era verdade. – É muito bonito e legal.
- Você aceitou?
- Não.
- Pensou em aceitar? Ficou curiosa de como seria com outro, longe de mim?
Tive vontade de rir. Como se eu pudesse ver ou pensar em outra pessoa que não fosse ela. Mas me controlei. Tentei fingir ser sofisticada naquele assunto.
- Talvez, curiosidade. – Não a fitava com medo que visse a mentira Regina segurou meu queixo e me fez encará-la, um pouco bruta, o castanho dos seus olhos parecia negro naquele carro escuro. Era tão exigente e séria, que não pude deixar de me sentir cativa, dominada.
- Está dizendo a verdade?
- Sim. – Menti, mas estremeci por falta de hábito. Corada, tentei consertar um pouco: - Não que eu fosse aceitar, foi um pensamento rápido. Só... Curiosidade.
Ela concordou fria. Então me pegou e me tirou de seu colo, pondo-me sobre o estofado ao seu lado. Virou o rosto e olhou pela janela. Engoli em seco, sem entender sua distância súbita.
- Regina, olha o que houve?
- Nada.
- Mas...
- Estamos chegando. Desculpe, preciso fazer um telefonema.
Pegou o celular do bolso, ligou para alguém e começou a falar sobre algum caso jurídico. Ignorou-me completamente. No início fiquei quieta, surpresa, sem entender nada. Então um pensamento me ocorreu e fui envolvida pela alegria. Seria possível ela ter ficado com ciúme? Por isso estava assim, tão distante? Deixei-a quieta, mas o sorriso brincava de leve em meus lábios enquanto fitava a paisagem que passava fora da janela. Por essa eu não esperava. E outra ideia me ocorreu. Regina teria ficado irritada no clube com ciúme de August?

Minha Tentação (CONCLUIDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora