Fique longe de mim

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Estávamos a cada dia mais unidas, já tínhamos adquirido bastante intimidade, brincávamos e ríamos uma da outra, Regina é uma pessoa incrível, eu sei que ela tem suas vontades e necessidades e que em algum momento elas poderiam reaparecer mais tudo estava tão bem, nunca me senti tão feliz e realizada, mais a vida não pode ser perfeita pra sempre, quando completava um mês em que estávamos juntas, uma coisa aconteceu e mudou tudo, Grahan tinha ido me buscar no trabalho, era uma quinta-feira. Eu não via a hora de ver Regina, abraçá-la, estar com ela. Enquanto o carro percorria a rua arborizada e sinuosa que levava até seu prédio, eu sorria comigo mesma, feliz com aquela minha vida, ansiosa para chegar logo, como se não a tivesse visto ainda naquela manhã. Foi quando, logo após uma curva, alguém se jogou na frente do carro, Grahan freou de repente, mas tudo foi tão rápido que pudemos sentir o baque, o corpo que rolava sobre o capô e caía na frente do carro parado.
- Meu Deus! – Gritei, levando as mãos à boca. E então me desfiz do cinto, saindo ao mesmo tempo em que o motorista.
- Ela se meteu na frente! – Disse ele, nervoso, enquanto corríamos até a mulher que já se sentava. Abaixei-me ao lado dela, amparando seus ombros.
- A senhora não deve levantar, pode estar com alguma fratura... – Falei tremendo, mas ela sacudia a cabeça, limpava o sangue da boca. Foi quando vi seu rosto, seus cabelos loiros, seus olhos escuros. Era a tia de Regina.
- Eu estou bem, só me ralei. – Enquanto eu e Grahan a amparávamos, ela se pôs de pé choramingando, se encostando no capô. Saía sangue de sua boca, do cotovelo e ela reclamava de dor no joelho, sem poder apoiar o peso na perna direita.
- A senhora ficou louca? Podia ter morrido! – Esbravejou Grahan.
- Eu queria morrer mesmo! – Começou a chorar, seu rosto lindo contorcido pelo desespero. Virou-se para mim, olhando em volta, descontrolada:
- Cadê ela? Cadê a Regina?
- Ela não está no carro. – Expliquei, impressionada ao ponto que ela chegara só para obrigá-la a falar com ela.
- Ai, está doendo muito! – Agarrou minhas mãos, suplicante. – Precisa me ajudar! Estou machucada! Me leve para a casa dela!
- Não posso. – Encarei Grahan. – Vamos levá-la ao hospital.
- A senhorita Mills deixou ordens expressas de ignorar essa senhora. Se souber que a pus no carro, estou na rua! – Exclamou o senhor.
- Quer deixá-la aqui, machucada?
- Vou ligar para uma ambulância. – E ele pegava o celular, se afastando um pouco. A mulher agarrou minhas mãos e começou a chorar copiosamente.
- Por favor, Emma, me deixe falar com Regina! Só preciso de uma oportunidade! Ela não me recebe de jeito nenhum! - Eu não posso fazer nada.
- Como á senhora sabe meu nome?
- Sei tudo que se relaciona a Regina. – Piscou as lágrimas escorrendo enquanto me encarava.
– Estou sozinha. Sei que errei, mas eu a amo! É minha única sobrinha, uma filha para mim!
- Senhora...
- Malévola.
- Malévola realmente não posso me meter. O que posso fazer é ajudá-la a ir ao hospital ou esperar aqui a ambulância, mas...
- Preciso do perdão dela. Sei que errei, mas você tem que entender...
- A ambulância já vem. – Grahan me fitou, irritado. – Não a escute senhorita Emma. Ela tenta convencer todo mundo. Entre no carro, espero aqui com ela.
- Como vou ficar lá no carro com ela aqui, machucada? – Fiquei irritada também. Pensei em oferecer a Malévola de ficar no carro, esperando a ambulância, mas sabia que Regina ficaria realmente furiosa. E ao imaginar que ela podia ter contribuído para o abuso que Regina sofreu me fez ter uma raiva grande dela. Como não sabia de toda história, tentei apenas agir da maneira correta, que seria ao menos ficar com ela ali até chegar o socorro.
- Escute o que estou dizendo. – Alertou Grahan. – Essa senhora é perigosa! A senhorita Mills ...
- Não sou perigosa! Estou desesperada! – ela puxou-me para perto, seus dedos como garras em meus braços. – Acredite em mim, Emma, eu amo Regina! Somente amei duas pessoas na vida, Regina e meu marido Tomás. Agora ele está morto. E minha sobrinha me odeia! Quero morrer também! Não suporto mais!
- Ela deve ter seus motivos. – Falei, chegando um pouco pra trás.
- Sim, tem. Eu a magoei, eu...
- Cale a boca, ela não quer saber! – Irritou-se mais Grahan.
- Mas tudo o que fiz foi por amor! – Ela gritou.
- E o que fez? Abusou dela? – Perdi o controle e puxei meus braços, dando um passo para trás, com a raiva a me espezinhar. – Ela foi morar com você aos sete anos! E o que fez? O que fez?
- Nós a amamos, eu e Tomás! – ela parecia confusa, sem parar de chorar e lamentar. – Mas Regina não entendeu bem, ela gostava de mim, fazia tudo por mim, mas... Mas de repente ficou com raiva, se voltou contra nós!
Enchi-me de nojo e ódio, quando entendi. Aqueles dois abusaram dela. Só de pensar em Regina aos sete anos, sendo abusada pela própria tia e seu marido, minha vontade era de matá-la. Arfei, sem poder respirar, meu peito doendo.
- Não acredito que... Meu Deus, você é um monstro!
Naquele momento o outro carro de Regina, que ela usava às vezes para ir ao trabalho dirigindo, parou bruscamente atrás da Mercedes. Ela saiu furiosa, seu rosto contorcido pelo ódio.
- Que porra é essa aqui?
- Regina! – Gritou Malévola alucinada, empurrando-me, tentando ir até ela. Seu joelho vacilou, ela teve que se apoiar no carro para não cair. Por um momento Regina parou e a olhou com tanto desprezo, que até eu gelei. Então a ignorou, seu olhar vindo acusador até mim, Grahan disse depressa:
- Foi um acidente, senhora, ela se jogou na frente do carro e eu a atropelei. Liguei para a ambulância.
- Venha, Emma. – Foi tudo o que disse sua voz gelada contrariando sua expressão furiosa.
- Regina, pelo amor de Deus, eu te amo, minha filha! Só quero o seu perdão, sabe que tudo que fiz foi por amor! – Malévola se escorava no carro, mancando, tentando ir até Regina. Regina fingiu não vê-la, mas o ódio saía dela como uma energia viva. Olhou-me e corri para ela na hora. Empurrou-me para dentro do carro e entrou, batendo a porta. Malévola começou a gritar e se jogou no chão, para impedir o caminho. Mas Grahan tirou-a de lá. Ela esperneava, chorava, Regina contornou-os com o carro e acelerou, saindo dali.
O silêncio pesado nos engolfou. Não ousei dizer nada. Apenas olhei-a, muito preocupada. Estava pálida, lutando para se controlar. Assim que chegamos a sua cobertura. Ela entrou furiosa e foi tomar uma dose de uísque no bar. Parei no meio da sala, quieta. Até que voltou para mim os olhos castanhos agora quase pretos pela raiva e exigiu com voz seca, fria:
- O que ela disse?
- Nada. Só implorou para que a trouxéssemos aqui, queria falar com você.
Regina me analisou, terminando de tomar todo o uísque e jogando o copo com força na parede e veio até mim, sem tirar os olhos dos meus.
- Você está me olhando diferente. O que ela falou?
- Regina....
- Porra, diga de uma vez!
Regina disse gritando, era tão visível a dor em seus olhos, podia sentir toda sua dor, não conseguia nem imaginar pelo que ela devia ter passado.
- Não disse nada! Que ela e o marido amavam você, mas...
- Mas o que?
- Acho que entendi. – Lágrimas vieram aos meus olhos, meu peito doeu. – Eles abusaram de você!
- Você não entende nada! Não se meta em assunto que não é seu!
- Mas você só tinha sete anos! Que ódio! Eu devia ter socado aquela mulher, eu devia, eu...
Comecei a chorar. Tentei me aproximar dela, mas Regina estava fria, pôs a mão entre nós.
- Está vendo agora quem sou eu Emma? Uma aberração fodida desde cedo por um casal tarado? Entende por que gosto das orgias? Por que preciso ter o controle?
- Sim...
- Por que gosto. Passei anos fazendo isso com eles, com os amigos deles, sendo a diversão da casa! – Cuspiu as palavras como se não se importasse, mas a dor dela me fez ter quase um colapso, arrasada, desesperada. – Tive prazeres inimagináveis, inesquecíveis.
- Você foi vítima, Regina, era criança... – Murmurei dolorida.
- No início, sim. Mas eu gostei. Entende isso? Agora quero que nunca mais toque nesse assunto. – Deu um passo para trás, seu olhar gelado.
- Eu não me importo com nada disso, Regina, só com você! Eu amo você!
- Tire essa pena do rosto. Não preciso disso. – Falou com desprezo.
- Não é pena. É amor.
- Não quero seu amor. Quero que me deixe em paz. Preciso ficar sozinha.
- Regina, escute.
- Fique longe de mim, Emma, pegue as suas coisas, quando Grahan chegar, ele a levará para casa. – E deu-me as costas, indo para a escada.
- Não faça isso! – Corri atrás dela, consumida pelo desespero. – Deixe-me ficar com você, Regina! Por favor!
Regina nada disse, deu as costas e subiu as escadas praticamente correndo. Escorreguei para o chão em prantos, sem poder me controlar.

Minha Tentação (CONCLUIDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora