Capítulo Três

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O caminho até à Berkley só não foi inteiramente silencioso graças ao Peter e à Olivia que ficaram conversando sobre os episódios de uma série a qual os dois começaram a assistir recentemente, porque se estivesse apenas eu e o Ben no carro, e dependesse de mim para iniciar algum diálogo... Certamente as únicas ondas sonoras que estariam sendo formadas seriam pelo barulho do motor do carro da mamãe. A teoria que os garotos nerds da Berkley formaram sobre o Ben ser um garoto completamente intimidador estava sendo comprovada por mim naquele exato momento, porque mesmo estando separados, ainda que por alguns centímetros de distância, o seu poder intimidador pairava sobre mim como se fosse um tipo de áurea mensageira.

Chegando na escola, mal estacionei o carro e Ben já foi logo saindo, saltando do banco desesperadamente como se não quisesse ser visto com pessoas "desconhecidas". Certamente os garotos do time e as líderes de torcida iriam fazer piada com a sua aparição ao de abra aspas, invisíveis sociais, fecha aspas.

Olivia e eu nos entreolhamos enquanto Peter respirava fundo após descer atrás do irmão.

— Por que a pressa, Ben? Você ao menos agradeceu à Elena pela carona. — Ele ralhou.

— Eu tenho teste de Química II, pirralho. Não posso me atrasar. — Ben respondeu irritado enquanto colocava a mochila nas costas. Olivia me cutucou com o pé, antes de descer, e arregalou os olhos como quem dissesse "Você vai ficar calada?"

— Com qual professor? — A minha voz saiu tímida, mas suficiente para que Ben Parker pudesse ouvir. Tirando os olhos do irmão e direcionando-os para mim, respondeu com as sobrancelhas franzidas.

— Mr. White. Por quê?

— Eu também tenho teste de Química II com o Mr. White. — Peguei a minha mochila, tirei a chave da ignição e desci, ativando o alarme e indo em direção ao trio ali em pé — Você já tem dupla?

— Tenho! Quer dizer... Tinha! — Passou a mão no rosto preocupado — A minha dupla é o Caleb e eu tenho quase certeza de que ele vai faltar hoje devido à ressaca.

— Bom... — Ajeitei a mochila nas costas — Você pode fazer comigo se quiser.

— Achei que você ia fazer com a Ali... — Olivia começou a falar, mas a interrompi.

Você não tem aula de Educação Física no primeiro período? — Olhei para a minha irmã e forcei um sorriso transportador de mensagens que dizia "Da próxima vez fique calada!" — Deveria já ter ido ao vestiário.

— Autch! — Peter brincou.

— Isso serve para você também, Homem-Aranha! — Sorriu amarelo.

— Tá bom, tá bom... — Olivia bufou e saiu batendo pé enquanto Peter ia logo atrás acompanhando-a. Balancei a cabeça, rindo internamente daquelas duas criaturinhas.

— Elena... — Ben Parker chamou a minha atenção falando calmamente — Se você já ia fazer o teste com outra pessoa, não precisa furar com ela por uma outra pessoa que você sequer conhece. — De braços cruzados, ergui a sobrancelha como quem falasse "É sério isso?" — Ok! — Riu sem graça ao compreender a mensagem — Não precisa furar com ela por uma outra pessoa que você sequer tem contato. — Semicerrei os olhos — Melhor assim?

— Bem melhor! Até porque, convenhamos: não há uma alma nessa escola, ainda que novata, que não te conheça Ben Parker! — Falei enquanto tirava o celular do bolso e digitava uma mensagem rápida para a Alicia dizendo que não poderia mais fazer o teste com ela e que depois explicaria o motivo — Vamos? — Ele gesticulou para que eu fosse na frente e logo me acompanhou.

— Às vezes eu gostaria de ser mais anônimo. — Confessou segundos depois de entrarmos na escola. Impressão minha ou ele estaria tentando criar um diálogo comigo? As minhas sobrancelhas se uniram ao processar aquela ideia. Ele olhou para mim e sorriu sem graça. — Eu sei que deve estar me achando o maior mal educado, ignorante e grosseiro, devido ao meu comportamento de agora há pouco...

— Eu não disse nada.

— Mas pensou. — Deu de ombros, afirmando.

É, eu realmente estava pensando, também, nisso.

— Olha, tá tudo bem quanto a isso. — Ele continuou — Digo... Se está achando e pensando essas coisas, saiba que não é a única que age dessa forma. Já me acostumei com esse tipo de situação.

— Deveria mudar, então... — Murmurei baixinho.

— O que disse?

— Ah, nada! — Forcei um sorriso — Mas por que diz isso? — Ele me olhou sugestivo — Sobre querer ser mais anônimo...

— Quando você está numa posição de prestígio — Sim, na Berkley ter uma posição de liderança, independente da atividade, seja no esporte, na música ou no teatro, era considerado um tipo de prestígio, ainda mais ele sendo o camisa 10 dos Timberwolves — as pessoas passam a te cobrar mais e com isso te pressionam como se fosse algo super normal, sendo que não é! — Enfatizou as quatro últimas palavras — Elas te impõem atitudes e te moldam num personagem que só existe em suas cabeças, e você não tem outra opção além de seguir o roteiro caso não queira ser visto como um fracasso social.

— E por que você se submete a isso? — Falei à medida em que subíamos as escadas para o primeiro andar. Ben suspirou e o seu corpo enrijeceu. Provavelmente eu não era a primeira pessoa fazendo esse tipo de pergunta.

Quando ele virou o seu rosto para mim a fim de responder, uma garota vestida com o uniforme das líderes de torcida veio correndo e se jogou em seus braços, interrompendo-nos.

— MEU AMOR! — A sua voz soou irritavelmente manhosa — Por que não respondeu às minhas mensagens hoje pela manhã?

Líderes de torcidas sempre tão previsíveis...

— Acordei em cima da hora de vir para a escola, Beatrice. — Ele respondeu sem humor algum, apenas para não ser mal educado.

— Ai, credo, que falta de emoção! — A garota se soltou do abraço fazendo careta. — Por que está tão mau hum... Ah! — Olhou para mim, com desdém, dos pés à cabeça — Até eu se estivesse perto de uma criatura mal vestida como essa, perderia o humor.

Mal vestida?

Mas eu apenas estava com a camisa da escola, calça jeans e tênis all star!

Era só o que me faltava!

— Tenho teste de Química agora, — Ignorou o comentário da seja lá o quê sua — então se me der licença... — Ben segurou os dois braços da tal Beatrice e a afastou como se fosse uma bonequinha sendo arrumada no estoque — Elena? — Direcionou a palavra para mim. Apenas concordei com a cabeça e seguimos juntos até à sala, lado a lado, silenciosamente, como dois "estranhecidos" (estranhos + conhecidos).

Sim, eu sei que essa junção de palavras não existe e é bastante incoerente no quesito linguístico, mas, por incrível que pareça, ela é a única que pode definir com precisão o que aqueles vagarosos segundos perto do Ben, antes de entrarmos na sala do Mr. White, significaram para mim.

Estranhecidos.

Totalmente e completamente estranhecidos.

FINE LINE: Entre Uma Linha Tênue | LIVRO #1Onde histórias criam vida. Descubra agora