Capítulo Vinte e Três

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— Nós somos uma linha tênue. — A sua voz saiu cortada. — Mas no final do dia sempre encontramos o caminho de volta um para o outro.

Linha tênue, ou Fine line, é uma expressão usada para indicar a proximidade ou semelhança entre dois conceitos distintos. Também pode significar um espaço muito pequeno que separa duas coisas, como, por exemplo, amor e ódio. Felicidade e tristeza. Coragem e medo. Eu e meu pai.

Nós somos uma linha tênue. Verdadeiramente. Sempre fomos, desde o início. Eu, o controle, ele, a sanidade. Eu, o otimismo, ele, o realismo. E tantas outras similaridades das quais se possa imaginar. Éramos dois corações conectados por uma linha invisível, delicada, frágil. Tínhamos uma conexão de alma. É peculiar, eu sei, afinal de contas esse tipo de conexão é mais comum em relacionamentos amorosos. Entretanto, foi um privilégio sabermos que aquela era a nossa singularidade, a nossa marca, o nosso "nós". Mesmo em meio a tantos problemas que passaram a surgir, ele me dizia que, enquanto eu estivesse ali, a linha jamais poderia quebrar porque era o seu sustento.

Mas e se o sustento enfraquece, o que acontece?

Ele desmorona, certo?

— Já houveram muitos finais de dias até então e em nenhum deles você apareceu. — Encolhi os ombros. — O caminho continua o mesmo, mas você decidiu embarcar num atalho qualquer sem ao menos olhar para trás... — Desci alguns degraus da escada até chegar no chão. — Você simplesmente... Foi. — Sorri amarga.

— Não houve um dia sequer em que não olhei para trás. Não houve um dia sequer em que não pensei em você e na sua irmã. Não houve um dia sequer. — Pausou. — Sabe por que eu decidi embarcar num atalho qualquer? Porque eu sabia perfeitamente qual era o caminho. E por saber perfeitamente disso, não podia mais voltar. Não era justo, principalmente com você.

— Não era justo? — Questionei incrédula, caminhando em sua direção. — Deixa eu te dizer o que não foi justo: não foi justo você trocar a mamãe por outra mulher, jogar o seu casamento para o alto e desistir dele como se não valesse nada. — A minha voz sobressaiu. — Não foi justo você ir embora e deixar uma carta estúpida, com uma metáfora idiota de quebra-cabeças, sem ao menos... — Respirei fundo. — Sem ao menos se despedir das suas filhas com o pouco de dignidade que ainda podia restar dentro de si. — Já sentia as lágrimas enchendo os meus olhos novamente. Ele ficou cabisbaixo e passou a mão na nuca várias vezes, nervoso, trêmulo, balbuciando palavras que eu não conseguia compreender. — Se você me dizia que eu era o sustento dessa linha tênue, por que me quebrou dessa maneira? — Sussurrei com uma das mãos no peito. — Você era o meu controle, pai. A minha sanidade, aquele que me mantinha nos trilhos e não me deixava perder o foco, o meu colo preferido, o meu porto seguro... O meu melhor amigo! — Funguei. — Arrancou tudo numa única cajada. Não sobrou nada além de sobras. Restos. Estilhaços. E dor... Muita dor acumulada no meu coração. — Ele desmoronou de joelhos no chão e começou a chorar silenciosamente, com as mãos escondendo a face, pendurando o corpo para frente e para trás como se fosse uma cadeira de balanço ambulante. — POR QUE VOCÊ NÃO DIZ NADA? — Gritei histérica. — ABRE A BOCA PARA FALAR, AINDA QUE SEJA MAIS UMA DE SUAS MENTIRAS! — Ao invés de reagir, ele permaneceu no mesmo estado.

Irritada, e sem pensar, peguei um jarro de flores que estava sob a mesa de centro e quebrei-o no chão com toda a força e raiva que ainda estava em mim, fazendo com que ele levantasse imediatamente, assustado e desnorteado.

— FALA! — Gritei novamente. — POR QUE VOCÊ NÃO FALA NADA?

— Elena, por favor, se acalme... — Veio lentamente em minha direção.

FINE LINE: Entre Uma Linha Tênue | LIVRO #1Onde histórias criam vida. Descubra agora