Capítulo Sete

324 30 59
                                    

O meu coração é daqueles todo cheio de remendos, de pontos e de feridas que ainda não foram cicatrizadas. Falar do meu pai implicava em ter que abri-lo, expor os machucados e trazer à tona a dor insuportável que aquele processo me causava toda vez que isso acontecia. Era como dar um soco na ponta de uma faca ou pisar descalço em cacos de vidro pontiagudos, por exemplo. Doía de todas as maneiras que se possa imaginar. Houve um tempo em que achei ter superado, que aquela dor finalmente havia passado... Mas, não! Eu não superei, a dor continuou ali, porque essas coisas não se resolvem apenas jogando para debaixo do tapete, fingindo que nada aconteceu. É preciso enfrentar de peito aberto e lidar da melhor maneira possível, ainda que não haja "melhor"; mas eu nunca fiz nada disso. Simplesmente fechei os olhos e tentei seguir pelo caminho sem enxergar aquela dor que tanto me perseguia como o caçador persegue a raposa. Porém, eu sempre acabava esbarrando em algo que me obrigava abrir os olhos para ter um certo norte da situação. E toda vez que eu os abria, ela estava ali. Ou melhor... Ele estava! Era como se, não importava o que acontecesse, eu sempre ia achar o caminho de volta para os braços daquele que certa vez olhou nos meus olhos e disse que um dia eu seria a sua redenção. Estávamos conectados por uma corda invisível que se custava a romper.

A voz de Ben Parker ecoava na minha cabeça junto com a pergunta que havia me feito. Senti como se o meu chão fosse desmoronar e eu estivesse a ponto de cair num precipício de memórias as quais eu daria tudo para esquecer. Respirei fundo e tentei buscar as palavras certas para começar, alinhando os meus sentimentos e afastando as emoções que transbordaram feito um barragem com excesso de água.

— Num belo dia o meu pai resolveu se entregar aos prazeres da vida a fim de experimentar coisas novas, e com isso veio o bônus para o seu casamento: um adultério que, logo mais adiante, ele viria a cometer. — Olhei para cima, tentando impedir aquelas lágrimas malditas que insistiam em querer descer — O que me dói mais quando penso em tudo isso é saber que ele tinha consciência das consequências e das pessoas que, eventualmente, deixaria para trás como uma espécie de finalização de um capítulo do seu livro chamado "Vida".  Eu o amava... — Ele ergueu as sobrancelhas — Ok, eu o amo! — Os meus olhos marejaram — Eu o amo tanto que chega a me sufocar! É um sentimento que me causa dor mais do que alegria, que me faz chorar mais do que sorrir, mas eu continuo aqui porque tenho a sensação de que sou a única nessa corda bamba emocional na qual ele nos colocou. E eu acho egoísmo, da minha parte, decidir abandoná-lo, sabendo que, ao fazer isso, ele poderá se desequilibrar e cair. — Pausei — Ele costumava ser o amor da minha vida. Mas depois que partiu, o amor foi para um lado, ele para outro, e a vida permaneceu no mesmo lugar, sozinha e vazia, pois havia sido tirado de mim a melhor parte que poderia ser oferecida a alguém: eu mesma. Desde a sua partida eu tenho me isolado de qualquer tipo de relação, porque ele corrompeu a minha confiança a ponto de me fazer pensar que todas as pessoas com quem eu me relacionar irão sair da minha vida da mesma maneira que ele saiu. Portanto, prefiro ser invisível em qualquer lugar que eu esteja. Quanto menos pessoas notarem a minha presença, melhor. — Respirei fundo novamente — Por isso eu disse que te entendia. Mais do que qualquer pessoa, inclusive. Qualquer um que sofre um baque como esse não permanece sendo o mesmo. Acaba mudando, querendo ou não. Entretanto, cabe ao indivíduo se essa mudança será boa ou ruim!

— Ok, eu já entendi a indireta aqui. — Ben riu baixinho, tentando quebrar o clima de tristeza que havia se instalado, mais ainda, graças a mim — Sinto muito que tenha passado por isso, Elena. — Ele levantou e sentou, cuidadosamente, mais próximo a mim. A sua voz era suave, como uma espécie de calmaria para aquela tempestade nas minhas emoções — Eu sei que compartilhou comigo de uma forma resumida, o que é totalmente compreensível, — Sim, eu não teria coragem de relembrar a mamãe me contando os detalhes da traição e de como tudo aconteceu — e agradeço por estar confiando isso a mim. — Na verdade eu não estava confiando nada, até porque não havia nada para confiar. Nem passou pela minha cabeça que Ben Parker poderia usar a minha história para que ela fosse publicada no jornal da escola a ponto de expor a minha vida, porque alguma coisa dentro de mim me dizia, e sabia, que ele jamais me faria mal algum.

FINE LINE: Entre Uma Linha Tênue | LIVRO #1Onde histórias criam vida. Descubra agora