Capítulo Vinte e Dois

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— Ela tem razão, rapaz. — A voz, firme e direta, que eu conhecia perfeitamente bem, soava atrás de mim, nos meus ouvidos, como se fosse a primeira vez. — Você não é o culpado por tudo isso. Eu sou.

Quando eu era pequena, não gostava de ir aos velórios porque tinha medo de ver defuntos. Com isso, a minha avó costumava dizer para mim, do seu jeitinho doce e delicado: "Princesa Elena, você não deve ter medo das pessoas que já partiram; elas não podem te causar mau algum. Porém, sim... Tenha medo e sempre duvide das pessoas vivas, porque, lamentavelmente, somos todos tendenciosos a praticar o mau ainda que não queiramos." Nesse momento, ao ouvir a voz dele soando tão próximo quanto o pássaro está do seu ninho, foi inevitável essa lembrança. Ela veio disparadamente, sem precedentes.

Olhei para Benjamin que estava completamente petrificado, sem saber o que falar ou como reagir.

A minha cabeça começou a doer devido às tantas memórias que decidiram, sem ao menos me entregar um ultimato, martelar simultaneamente, e às lágrimas as quais suplicavam incessantemente para que pudessem se livrar da horrenda agonia.

Fechei os olhos com força e comprimi os meus lábios, apertando-os, na tentativa de manter a minha sanidade.

Mas quando se tratava dele...

— O. QUE. RAIOS. VOCÊ. ESTÁ. FAZENDO. AQUI? — Ainda de frente a Benjamin, sibilei as palavras com rispidez.

— Você falou comigo, e eu estou aqui. Não era isso o que queria? — O seu tom de voz emanava tranquilidade.

O meu sangue ferveu.

Como ele podia agir com tanta calma num momento tão delicado?

Virei-me bruscamente, com todas as palavras sujas na ponta de língua. Pronta para o combate.

Então eu o vi.

Depois desse tempo que pareceu ser infinito, eu o vi.

E ao vê-lo, fui desarmada instantaneamente.

Ele estava bem ali. Parado na minha frente. Não muito perto, mas também não muito distante. Usava uma calça preta, uma camiseta cinza da Marinha, sapatos escuros e um sobretudo da mesma tonalidade. Seu cabelo meio grisalho, a barba por fazer. Algumas cicatrizes no rosto, sobretudo na sobrancelha. Seu semblante era de desgaste. Cansaço. Mas, apesar disso, ele continuava sendo ele.

Eu seria capaz de reconhecê-lo em qualquer lugar.

Caí de joelhos no chão e comecei a chorar desesperadamente, ignorando o fato de ainda haver pessoas aos arredores. O meu peito doía tanto que eu achei que ele iria explodir dentro de mim, estilhaçando-me e completando o serviço inacabado daquele homem.

Benjamin se aproximou de mim no intuito de me abraçar, mas acabei estapeando-o sem querer. Mesmo com o borrão das lágrimas, notei que ele estava tentando se manter são da melhor maneira possível.

— Elena! — Ele correu em minha direção e, ajoelhando-se, segurou os meus braços na tentativa de me conter.

— NÃO, NÃO, NÃO! — Debati-me em seus braços, socando o seu peito com força. — SAI DAQUI! — Grunhi com a voz falha.

— Eu não vou à lugar algum! — Rebateu firme.

As lágrimas não paravam de rolar no meu rosto. Eu estava com tanta coisa presa na garganta...

— Me... S-Sol... — Solucei. — Não... Por fav.. — Suspirei ao sentir o meu corpo molejar. — Eu não... Eu não... — Não conseguia respirar e nem falar, pois me sentia engasgada com o próprio choro.

— Está tudo bem, filha. — Os meus músculos perderam força e, literalmente, derreti em seus braços. Declinou a minha cabeça contra o seu peito e envolveu-me com força assim como fazia quando eu acordava de madrugada com os pesadelos após assistir a um filme de terror antes de dormir. — Shh... Está tudo bem. Vai ficar tudo bem. O seu pai está aqui.

E como num ápice de qualquer dor, veio o grito.

Saindo feito um rasgo profundo na garganta: lento e doloroso.

Após chegar ao clímax das minhas emoções, a última coisa que vi e ouvi antes de apagar foi a imagem do seu rosto contraído e da sua voz suave dizendo que íriamos ficar bem.


(...)


Acordei sentindo um enorme pesar nos meus olhos e na minha cabeça.

Ainda era noite. Eu estava em casa, no meu quarto, deitada na minha cama. Mas não recordo de como vim parar aqui, já que a minha última lembrança era estar na escola com o Benjamin e com... Com...

Eu havia desmaiado?

Olhei para o lado e vi que Benjamin estava sentado no meu puf, cabisbaixo, mexendo no celular. Ele parecia tão acabado quanto eu.

Ao notar que eu já estava presente, guardou o celular e sentou na cama perto de mim.

— Ei, você... — Falou baixinho. — Como está se sentindo?

— Bem... — Levei uma das mãos à minha têmpora. — Acho. — Franzi o cenho. — Eu...

— Você desmaiou, Elena. Apagou completamente nos braços do seu pai. — Pausou. — Ele te colocou no carro e trouxe-a para casa sob a minha orientação. Fui dirigindo na frente.

— E-Ele o q... E a Olivia? A Olivia v...

— Calma! — Afagou a sua mão no meu braço. — Antes de virmos para cá, eu liguei para a sua mãe e expliquei por cima a situação. Pedi para que deixasse a Olivia dormir na minha casa hoje. Ela veio aqui buscar algumas roupas, a mochila e o uniforme da Via, e saiu há pouco tempo.

— Ok. — Suspirei. — E quanto ao meu p... Onde el...

— Ele está lá embaixo desde que a trouxemos, Elena. — Disparou. — Está sentado no sofá. Não levantou sequer para beb... — Levantei-me da cama e saí do quarto sem ao menos deixá-lo terminar de falar. Desci alguns degraus da escada e parei, de braços cruzados, esperando que ele fosse notar a minha presença. Quando me viu, endireitou-se.

— Nós somos uma linha tênue. — A sua voz saiu cortada. — Mas, no final do dia, sempre encontramos o caminho de volta um para o outro.

FINE LINE: Entre Uma Linha Tênue | LIVRO #1Onde histórias criam vida. Descubra agora