CAP 19-Guilherme

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16 anos depois...

Estava mais uma vez no meu escritório da empresa quando bateram à porta. Levantei a cabeça de toda aquela papelada e sorri assim que vi a minha mãe e a minha irmã, mas eu sabia que havia história por trás disso. Quando elas se juntam é porque vão partir para cima de mim,como aconteceu há 16 anos atrás quando eu decidi abandonar Carolina. As duas quase me bateram, quer dizer, a Lara bateu-me e muito e eu deixei que ela fizesse aquilo, deixei que ela me batesse até não ter mais forças, ela precisava daquilo e eu também. Eu fui um canalha com a melhor amiga dela, eu merecia tudo aquilo. Não a ía censurar, ela estava no seu direito.

Carolina, essa eu via todos os dias, embora ela não me visse. Acompanhei todo o seu percurso de gravidez e o seu retorno à escola e por fim à universidade. Era o sonho dela ser médica e olhem só, ela é a melhor médica cirurgiã da alcateia. Fiquei muito orgulhoso da minha menina e de cada uma das suas conquistas até hoje.

Acompanhei todas as suas noites mal dormidas, todos os choros para que ela dormisse mais descansada, acompanhei-a todos os dias até à universidade para que ninguém se metesse com ela e durante todas as noites desde há 16 anos não preguei olho à noite para afastar todos os lobos que a queriam marcar. Acho que estou velho e cansado.

Fiz tudo isso sem ela saber, tantas noites que entrei no seu quarto para adormecer os nossos filhos para que ela descansasse mais e não ficar tão cansada para cuidar deles durante o dia.

Poucos meses depois dela descobrir que estava grávida, ela descobriu que não íamos ter um, mas sim dois bebés. Gémeos rapazes. Fiquei muito feliz ao saber que a alcateia já tinha alguém para me suceder como Alpha, mas aí me lembrei que ninguém sabia que eu tinha encontrado a minha companheira, quem ela era e muito menos que eu tinha dois filhos com ela.

Mas o que está feito, está feito e ela está demasiado magoada comigo para me perdoar sequer e eu entendo-a perfeitamente.

-O que eu fiz desta vez?-olhei para aquelas duas mulheres à minha frente.

-Depende ao que te referes-Lara falou.

Não vou mentir. Lara ama-me muito, mas ainda guarda ressentimentos do que eu fizera com a Carolina e também não a censuro. Não mereço o perdão da minha irmã.

-Lara-a minha mãe repreendeu-a.

Eu e a minha irmã olhamos um para o outro e nada dissemos.

-O que se passa?-olhei para a minha mãe.

-A Carolina...-ela pensou nas palavras certas-ela vai lá a casa com os miúdos e...

-Tudo bem-assenti-não se preocupem, eu não apareço lá.

E era assim. Carolina nunca deixou de ir a casa dos meus pais independentemente do que nos aconteceu. Lembro-me do dia em que ela contara da gravidez aos meus pais e ambos deliraram, principalmente a minha mãe. Eu não estava presente nesse momento, eu estava na cozinha, mas eu ouvi toda aquela animação de lá. Lembro-me de ter sorrido um pouco ao ouvir a alegria da minha mãe, mas logo saí de casa pela porta das traseiras quando Carolina ía explicar a nossa situação. Ela tinha razão, eu era demasiado fraco e um irresponsável.

Eu e os meus pais concordamos em sempre que a Carolina fosse lá a casa eu não poderia aparecer lá para não nos magoarmos mais. E esta era uma dessas vezes, elas vieram pessoalmente me avisar para não ir lá esta noite e eu concordei como é óbvio. Não queria ver mais mágoa nem desilusão nos olhos de Carolina,ela não merecia sofrer mais por minha causa.

-Ainda bem-Lara falou séria.

-É melhor irmos-a minha mãe falou beijando a minha testa e sorriu.

A minha mãe saiu e atrás dela foi Lara, mas antes que ela saísse, eu fiz com que ela parasse na porta.

-Lara?-levantei-me da cadeira e olhei nos seus olhos.

Ela nada disse, só esperou que eu falasse.

-Sabes que eu te adoro, não é?-sorri um pouco-és minha irmã e eu sempre te apoiei e apoiar-te-ei sempre.

Ela olhou nos meus olhos e deu um fraco sorriso assentindo com a cabeça e logo saiu do meu escritório. Voltei a sentar-me e encostei-me para trás na cadeira.

Olhei para o relógio de pulso e notei que já eram horas de almoço, então decidi ir almoçar e fui até minha casa.

Lembram-se da casa que eu tinha comprado quando levei Carolina pela primeira vez lá? Pois bem, eu quando a comprei era com a intenção de irmos viver os dois lá, mas a vida resolveu dar voltas e isso não aconteceu nunca. Eu continuei a viver lá, mas sentia-me sozinho sabendo que aquele poderia ser o nosso lar um dia, mas tornou-se somente no meu lar.

Fui até à cozinha e preparei o meu almoço e comi ali sozinho. Lembrei-me das vezes que eu e Carolina inventavamos algo para comermos depois de muitas horas a fazer amor lá em cima no nosso quarto. Sim, nosso quarto. Independentemente de qualquer coisa, aquele será sempre o nosso quarto. Enfim...sempre que tentavamos cozinhar alguma coisa acabavamos por encomendar pizza.

Sorri com aqueles meus pensamentos.

Aqueles seus lindos olhos azuis atormentavam-me todos os dias, durante estes 16 anos e eu era o único culpado por isso. Eu preferi afastar a mulher da minha vida do que assumir as minhas responsabilidades e enfrentar o que o futuro nos reservava e olhem só, acabei num futuro sozinho, magoado e com pessoas que me amam e são amadas por mim que não nos falam quase. E a culpa? Óbvio que é minha, sou o único culpado de tudo isto.

Viver uma vida em que nos sentimos culpados e carregamos toda a culpa sozinhos sobre as costas não é bom, nada bom. Ninguém deveria se sentir assim nunca. Mas eu mereço, mereço tudo de mal que me possa acontecer. E eu acho que tudo o que me está a acontecer é pouco, eu merecia um castigo maior, merecia algo pior, mas acho que nada será pior do que isto e se eu estou nesta situação, então é porque sou o responsável por ela.

-Idiota-passei as mãos pelos meus cabelos e suspirei.

Eu iria ficar com a escola da minha mãe, mas achei mais indicado passar a escola para a Beatriz, ela era a vice-diretora da escola e já lá trabalhava há muitos anos e, para além disso, eu sabia que a Carolina depois de ter os bebés e já estar preparada para retornar à escola e se focar nos estudos, não queria que ela se distraísse e ficasse preocupada em me encontrar pelos corredores da escola, então, resolvi desistir da minha carreira de professor e focar-me nos negócios da empresa do meu pai, na qual hoje sou o diretor e dono dela.

Fico feliz por tudo o que conquistei ao longo destes anos, mas não me sinto realizado ainda. Ainda me falta algo, algo que nunca mais poderei ter na minha vida. Mas fico muito mais feliz por todas as conquistas que a minha menina conseguiu ao longo dos anos, tanto a nível pessoal como a nível profissional.

Adoro saber que a minha menina está feliz com tudo o que conseguiu na vida e é isso que me tem aquecido o coração e não me ter feito desistir de mim por completo.

No que depender de mim ela continuará assim, feliz com os nossos filhos. Eu não me irei meter entre eles jamais. Não vou ser mais o causador da sua tristeza, mágoa e desilusão.

Nunca mais.

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