46. Levaram o meu filho

808 52 4
                                    


Gonçalo

Não consigo quantificar o medo e desespero que se instalou em mim quando me disseram que o meu filho não estava onde eu pensei que ele estaria seguro. Há 92 dias e 7 horas que estou sem o meu pequeno. E como estou? Sem rumo. Mais um dia em que me dirigia ao café onde conheci a Letícia, mas para beber whiskey.

Durante dois meses, procuramos 24 horas por dia, sete dias da semana por pistas que nos levassem ao paradeiro da minha avó. Mas sempre que encontrávamos algo, ela já tinha mudado novamente de lugar. Ninguém dormiu durante esse periodo e todos demos o nosso melhor para ajudar nas buscas. Das cinco chamadas que nos fez, apenas se ouvia o choro do Noah, o que nos partia ainda mais o coração.

A polícia deixou apenas alguns detetives a tratar do nosso caso. Sinto-me num buraco sem fundo. Não falo com ninguém, bebo incontrolavelmente e quando chego a casa, adormeço sob efeito da bebida. Os meus pais e irmãos tentam constantemente fazer com que eu pare de beber e a Letícia... a Letícia cuidava de mim cada vez que eu chegava a casa embriagado. Mas agora que penso nisso, eu já não a vejo há algum tempo.

Sentei-me no balcão e pousei os cotovelos sobre o mármore frio. Esfreguei a cara intensamente tentando acordar deste pesadelo terrível.

- Alguma notícia? - fitei os olhos verdes do meu irmão que trabalhava agora no mesmo lugar onde eu vinha afogar as lágrimas. Ver que esta noite seria o turno dele, fez-me perceber que ele não me deixaria beber o tanto que costumo.

- Não. - fui seco e breve. Talvez eu estivesse a ser estúpido, mas eu não conseguia falar normalmente com ninguém enquanto o meu filho não estivesse nos meus braços.

- MAS TU VAIS GANHAR JUÍZO QUANDO? - olhei-o confuso. Ele nunca me levantou a voz, muito menos em público. - O agente Dom falou ontem com o pai e disse-lhe que as buscas estão bastante avançadas. A avó ligou. - eu arregalei os olhos ao atingir que realmente não andava a par das coisas.

- E ela falou desta vez? - perguntei já me levantando do alto banco e dirigindo-me para a porta seguido pelo meu irmão caçula que já tinha tirado o avental de trabalho.

- Ela disse que queria falar contigo e só assim entregava o Noah. Nós tentamos avisar-te, mas, como sempre, fomos ignorados. - Por isso é que a minha mãe estava à minha espera ontem quando cheguei do trabalho e recebi inúmeras chamadas do meu pai!

Entramos no carro sem mais nenhuma palavra. Conduzi o mais rápido que pude (dentro dos limites, claro) e estacionei em frente a casa dos meus pais. Corri até à porta e vi o agente Dom de costas.

- Filho! - a minha mãe foi a primeira a notar a minha presença e correu para me abraçar. Ao sentir os seus braços ao meu redor, senti-me culpado como nunca antes. Eu estava a sofrer, mas também eles estavam e eu não fiquei do seu lado para podermos lutar juntos como os Campbell sempre faziam. Então chorei nos braços da minha mãe e lamentei por todos os erros que cometi.

Vi o meu pai com o braço sobre os ombros da Letícia. Admirei-a. Linda como sempre, mas sem o seu brilho habitual, os seus olhos inchados e vermelhos como se há muito não dormisse e estivesse constantemente a chorar. Vê-la ali só fez o meu sentimento de culpa aumentar ainda mais. No canto da sala vi os meus sogros, que me olharam com desprezo. Não os censuro, eu não tenho sido um bom filho, um bom namorado, nem bom irmão ou genro, muito menos bom pai. O meu filho merece que eu esteja à sua procura para que ele volte para mim e não a enfrascar-me.

Eu fui um egoísta. Pensei apenas na minha dor e esqueci-me que não só eu amo o Noah, não só eu sofro por ele. Mas agora eu preciso de me redimir e estou aqui para ficar ao lado da minha família. 

- Gonçalo. - o Dominic chamou a minha atenção. - A tua avó quer uma troca. Tu pelo Noah. E algum dinheiro, como esperado.

- Aceito. Quando fazemos a transição? - estava disposto a qualquer coisa, desde que isso deixasse o meu filho a salvo. 

- Agora mesmo! - O agente foi rápido em responder de olhos arregalados pela minha prontidão e saiu digitando algo no seu telemóvel.

Notei o olhar de preocupação em todos os presentes, mas eu sabia que eles fariam o mesmo. Também faria o mesmo não só pelo meu bochechudo, mas também por cada um deles ali ansiosos pelo retorno do Noah. Mas ser pai é isso mesmo. Ser pai é estar lá, é cuidar em todas as circunstâncias e se necessário dar o nosso corpo ao risco e ao perigo para salvar os nossos filhos. Porque eles são a razão do nosso viver.

E por isso mesmo, aqui estou eu a entrar num carro que me levará a ele. Ficarei sem o ver enquanto esta troca durar, mas sei que ele estará em boas mãos. O que mais me custa são os olhares que me são direccionados neste momento.

- Vai ficar tudo bem. Daqui a pouco o vosso neto estará convosco são e salvo. - tranquilizei enquanto abraçava os meus pais.

- Toma bem conta de ti, meu filho. - a minha mãe pediu aos prantos e eu beijei - lhe a nuca. Não podia assegurar nada...

- Volta rápido, Maninho. - a minha loirinha pequena manteve o seu sorriso no meio de tanto caos. Ficava feliz por ela ter alguém como o Adam ao seu lado. Ele era mais uma grande razão para o constante sorriso dela.

Abracei os meus sogros que hesitaram ao início, mas depois lá aceitaram a minha demonstração de afecto.

- Eu queria pedir desculpa pela minha atitude nos últimos tempos. - desculpei - me alto suficiente para que a Letícia também me ouvisse. - Eu não tenho sido uma boa companhia. E devia ter sido mais presente. Só quero que saibam que eu amo muito esta família e a vossa filha também. - olhei-o de canto e esta encarava o chão. - Espero que me perdoem.

Caminhei a passos lentos até o meu anjo loiro. Passei a minha mão suavemente sobre o seu rosto e levantei o seu queixo para que me olhasse.

- Quando eu voltar vou recompensar todo este tempo que deveria ter estado contigo e não o fiz. E vamos, os três, ser muito felizes juntos. - Prometi de forma que aquilo me fizesse ainda mais lutar por nós.

Abracei-a quando a vi soltar uns soluços ameaçando chorar. Ela apertou a minha camisola bem forte e quis desistir de a deixar naquele momento. Mas lembrei - me que logo estaria de volta e poderíamos viver em paz.

Entrei no carro do Dom e olhei a minha família. Volto daqui a pouco. Filho, o pai vai - te buscar!

Desculpem não ter publicado no domingo como habitual, mas aqui está.

Beijos da vossa autora 🐇

❤ O café que eu entornei ❤Onde histórias criam vida. Descubra agora