34. Inseguranças 👫

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Letícia

As revelações da Helena foram totalmente inesperadas. O meu choque foi total. E colocou - me dividida.

Por um lado não queria acreditar que o Gonçalo me tivesse mentido. Até porque ele era tão carinhoso com o Noah e tinha um coração tão bom que nada apontava para que ela tivesse dito a verdade.
Mas por outro, ela parecia realmente triste e desolada. A sua voz estava triste, conseguiu com que eu tivesse pena dela.

Agora, ao lado do homem da minha vida, sentia-me culpada por ter fugido daquela maneira. A loja fica mesmo em frente a uma rua bastante movimentada, e se não fosse por ele, eu teria sido atropelada e sabe - se lá as consequências que me poderia trazer.

Tentava entender o que paramédico falava sobre o que o Gonçalo tinha, mas ele falava baixo demais para eu entender. Desisti de o ouvir e fiquei apenas a admirar o rosto sofrido daquele homem que há minutos atrás me tinha salvado a vida.

Ele abriu os olhos verdes pelos quais eu me tinha apaixonado e segurou mais forte a minha mão. Deu-me um sorriso fraco ao qual eu correspondi com um beijo no rosto. 

- Não se aproxime tanto do paciente. Evite ao máximo o contacto com o paciente para haver o mínimo de movimento. - corei envergonhada por ter levado um sermão de um desconhecido, mas eu sabia que era apenas o seu trabalho e o seu pedido era uma precaução.

Afastei - me consideravelmente como me fora recomendado e assim me mantive até ao final da viagem.

Saí da ambulância e a minha sogra logo apareceu do meu lado seguida do marido. Eles tinham deixado o Noah com os meus pais para poderem acompanhar o filho. Os meus pais aceitaram de bom grado tomar conta do novo neto. Os irmãos dele também vieram para não ficarem sozinhos.

Ficamos todos na sala de espera enquanto o Gonçalo era levado para o consultório onde seria devidamente analisado.

Ninguém falava nada, mas era visível a ansiedade presente em cada um de nós. Senti uma mão sobre a minha e olhei para ver a dona Eduarda com um sorriso compreensivo. Eu precisava daquilo. Sentia-me culpada por ser a responsável por o Gonçalo estar agora nesta situação. Uma lágrima rolou pela minha face e ela logo a limpou.

Senti um toque no meu ombro, e quando me virei, vi o Rafael. Também ele tinha um olhar triste, mais do que o que ultimamente tinha. A sua atitude surpreendeu - me. Sem qualquer aviso, puxou - me para si num abraço amigável. A Sophia juntou - se a nós e, de repente, todos nos abraçávamos em forma de união.

Um médico no auge dos seus 20 anos saiu do consultório e dirigiu-se a nós. Vi a Sophia corar e ri internamente por ver uma rapariga tão extrovertida assim tão tímida. 

- Família de Gonçalo Campbell? - Nós assentimos e ele aproximou-se ainda mais ficando em frente a mim e à Sophia. - Ele sofreu uma fractura na tíbia e terá de ficar engessado por pelo menos três semanas. Depois disso precisará de fisioterapia, provavelmente. Além disso, ficará internado durante esta noite, por prevenção.

- Mas porquê? Está relacionado com a dor lombar que ele sentia? - perguntei preocupada, porque ele queixou - se das costas quando se mexeu ainda no passeio da rua.

- Sim. O raio-X não identificou nada demais, pode ter apenas pisado. Mas achamos por bem ele ficar aqui esta noite para vigiar se a situação não agrava.

- Muito obrigada, doutor. - A dona Eduarda agradeceu com um olhar já mais aliviado.

- Agora se me dão licença, tenho de atender mais pacientes. - sorriu e, antes de se virar, mirou a Sophia de cima abaixo. Ela correspondeu o olhar e eu já senti um clima no ar. Sorte a dele que foi discreto o suficiente para o senhor Miguel não notar, porque ia dar barraco.

Uma enfermeira apareceu para nos encaminhar até ao quarto onde o Gonçalo ficaria esta noite.

Foi recomendado que entrassem dois de cada vez, então deixei que os meus sogros fossem primeiro.

Levantei - me e fui ter com o Rafael, já que a Sophia tinha ido atender uma chamada. Ele estava de costas para mim e mexia na máquina de venda automática. Antes de chegar perto dele, vi - o levar um comprimido à boca e de seguida beber água. Estranhei, porque não sabia que ele estava doente.

- Está tudo bem? - ele assustou - se com a minha voz e guardou rapidamente e de forma atrapalhada uma caixa de comprimidos que tinha na mão. A sua rapidez não foi suficiente para que eu não reconhecesse aqueles medicamentos que infelizmente vi a minha mãe tomar por muito tempo. - Rafael, tu tomas comprimidos para a depressão? - perguntei cautelosa.

Ele olhou - me e hesitou antes de responder. Talvez ninguém soubesse disso e ele estivesse hesitante se deveria partilhar aquilo comigo. Eu própria nunca sequer desconfiei de algo assim, ele parece apenas um rapaz tímido que prefere o seu canto. Mas na verdade, ninguém sabe que dentro das quatro paredes do seu quarto, ele não é o rapaz estudioso que todos pensam, mas sim um menino que sofre sem ninguém saber. E talvez ele estude tanto, porque isso é um refúgio para as suas mágoas.

- Sim. - falou por fim, enquanto encarava o chão límpido.

- Mais alguém sabe? - indaguei ainda assim receosa.

- Não. Daí a minha depressão. Ninguém percebe o quão mal eu estou. A minha mãe pensa que a universidade está a correr lindamente quando na verdade eu não fiz um único amigo ainda. - suspirou pesadamente e sentou-se numa das muitas cadeiras azuis e eu fiz o mesmo. - É frustrante tentar ser o filho e o irmão perfeito, estudar durante horas para alcançar os bons resultados; sentar todos os dias à  mesa já pensando no momento em que voltarei para o refúgio do meu quarto. E quando penso em contar o que realmente sinto perco a coragem. Porque eles estão tão felizes com o Noah, a tua aparição, a carreira do Gonçalo... e eu não quero arruinar essa felicidade devido aos meus problemas.

Afaguei as suas costas em sinal de compreensão. Ele colocou os cotovelos nos joelhos e a cabeça entre as mãos. De repente, ouvi o seu soluçar.

- Tu tens de lhes contar. Eles podem - te ajudar. Todos temos os nossos problemas e não há ninguém melhor para nos ajudar que a família. - Ele levantou a cabeça e ouviu - me atentamente. - A tua família ama-te e apenas não te ajudaram ainda porque pensam que estás feliz.

- Tu és tão perfeita. O meu irmão que não me ouça. - rimos juntos. - Mas desde que chegaste à nossa família só trouxeste bons momentos e tens uma vida maravilhosa.

- Tu mais que ninguém sabes que as aparências enganam. Eu perdi um irmão quando ele ainda nem tinha nascido e a minha mãe não pode ter mais nenhum filho. Eu reconheci os teus medicamentos porque foram esses que ajudaram a minha mãe a ultrapassar a depressão que teve após a perda do bebé. Mas mais do que isso, fui eu e o meu pai quem mais contribuiu para que ela superasse a depressão. Éramos apenas os três, mas juntos somos mais fortes. E eu estou aqui também.

- Obrigada. - abraçou - me em forma de agradecimento e eu beijei - lhe a testa.

Foi bom também para mim libertar aquela dor que eu tinha guardada. Mas agora eu sabia que além de um cunhado tinha um irmão.

Que acharam da revelação do Rafael? Esperavam por essa?

Até ao próximo capítulo. Beijos da vossa autora🐇

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