Os dias que se sucedem parecem se arrastar, me levando com eles feito a correnteza de um rio prestes a transbordar.
Pensei que demoraria mais para que meu pai fosse para a clínica de transição, mas durante minha aula de Teoria da Comunicação na segunda-feira, o inconfundível som do meu celular reverberou por todo o auditório, atraindo todas as atenções para a minha direção. Deixei a sala com um sorriso envergonhado de desculpas, ouvindo a Sra. Lewis voltar a dar sua aula enquanto eu atendia o pessoal da Greenlawn, sentindo meu estômago revirar enquanto eles falavam sobre uma vaga numa clínica próxima a Bloomsbury.
A visito no mesmo dia, e papai parece tão eufórico em começar uma nova fase que na quarta-feira já estamos movendo suas malas para a Morningtide Clinic, deixando para trás os médicos, a recepcionista Mollie e os desequilibrados que parecem menos afortunados que este ao meu lado.
— Olha esse quarto. — disse ele, suspirando enquanto observava o cômodo provavelmente maior que o que possuía na antiga clínica. — Aposto como essa cama é melhor do que a que sua mãe tem com aquele cirurgião... — seus olhos encontram os meus ao abrir um sorriso divertido. — As coisas melhorarão agora, meu bem. Eu sinto.
Naquele dia, deixei ele terminar de se acomodar e fingi sair para dar um telefonema quando simplesmente disparei para o banheiro de visitantes e coloquei todo o meu almoço para fora, me perguntando se podia acreditar naquelas promessas vazias ou se seria exatamente como fora na minha infância.
O levei para almoçar no dia seguinte, numa pequena comemoração como a que os pais fazem quando as crianças trazem um boletim sem notas vermelhas. Tanto ele quanto Sloane nunca comemoraram comigo, mas espero fazer isso com os meus. Não que eu seja adepta a ideia de premiação para comportamentos obrigatórios, mas gosto da ideia de imaginar os meus futuros bebês felizes, com lábios melecados de sorvete ou por trás de um hambúrguer espirrando catchup.
Gosto da ideia de fazê-los se sentirem amados, felizes e amparados pelos pais. A ideia de que eles terão tudo o que não tive.
A ideia de que direi a eles a todo momento o quanto os amo e o quanto são queridos, vistos e admirados em todas as circunstâncias.
Mas não é tão fácil assim.
Notei isso ao ver o homem comendo diante de mim, devorando uma porção de fritas como se estivesse no corredor da morte.
Também noto isso agora, olhando para o computador velho que preenche a minha pequena ilha no The Paragon News. Uma das minhas mãos está sobre o meu ventre, um local que agora parece ter se tornado o ponto preferido das minhas palmas, enquanto que a outra usa o velho mouse para rolar a página na tela.
Dedilho o tecido da cintura alta da minha calça flare, deslizando devagar a ponta dos dedos para cima e para baixo, como se estivesse acariciando delicadamente a cabeça de algum dos bebês que preenchem meu útero agora. Por um momento, minha mente vaga para um futuro não tão distante, onde os dois estarão aqui em meus braços, os corpinhos embalados exalando aquele cheiro suave natural de bebês, agarrando meus dedos e abrindo sorrisinhos babados.
Ou chorando escandalosamente durante a madrugada.
Mas não é isso o que me preocupa. Eu venderia todas as minhas horas de sono pelo resto da minha vida se isso fizesse os preços que vejo na internet baixarem.
Mamadeiras e chupetas de marcas, tipos e materiais diferentes. Roupas e roupas, sejam de vestir ou de cama, dos mais diversos tecidos e formatos. Móveis como berços, armários e até cadeiras de balanço — onde vou enfiar dois berços e uma cadeira de balanço mesmo?
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All My Life | Tom Holland ✓
FanfictionOs planos de Reyna Sullivan sempre foram muito concretos: se formar na faculdade de jornalismo; conseguir um emprego no The Times; se mudar para um apartamento maior, em um bairro bom; construir seu próprio legado... Engravidar definitivamente era...