Sonata

3.1K 256 121
                                    

(N/A: Atenção! Esse capítulo pode conter gatilhos de abuso de drogas. Se não se sente confortável, preserve sua saúde mental e não prossiga com a leitura!)


 Certa vez, durante uma pesquisa para um trabalho acadêmico, acabei encontrando um artigo na internet sobre como nosso cérebro é capaz de ocultar memórias potencialmente prejudiciais. É como um mecanismo de autodefesa, onde ele identifica recordações que possam causar danos irreparáveis ao nosso bem estar e as esconde nos confins da nossa mente, trancando-as a sete chaves num local obscuro no subconsciente e tornando o nosso acesso quase impossível, como uma pasta protegida por senha onde você digita o código errado e a mensagem "acesso negado!" surge em letras garrafais.

 Desde que passei a noite pesquisando sobre isso, achando matérias cada vez mais fascinantes e esquecendo completamente do trabalho que teria que entregar logo na primeira aula do dia seguinte, não conseguia parar de pensar nisso. Às vezes estava durante uma palestra importantíssima de algum professor rabugento, ou então ouvindo meu ex-chefe falar por horas a fio sobre como o celular queima os neurônios através de ondas enviadas pela sua orelha, e então minha mente vagava até as palavras do artigo, vendo-as flutuarem nos meus pensamentos. Como nosso cérebro sabia qual memória seria tão prejudicial a ponto de precisar ser escondida? Como ele a mantinha ali, na sombra do subconsciente? Será que eu já tinha tido alguma memória tão horrível assim a ponto de sequer lembrar de sua existência?

 Pelo menos para a última pergunta eu tinha resposta, e era não.

 Não tinha nenhuma memória, porque se eu conseguia lembrar todos os detalhes das últimas vinte e quatro horas, não tinha como ter outra memória tão horrível assim. Não é possível que tenha algo pior do que presenciei nesse maldito período que parece não ter fim.

 Alguém aperta meu ombro. Minha cabeça dói. Meus olhos ardem, então apenas os fecho bem apertado.

 Sinto o bebê mexer. Não sei qual dos dois foi, mas definitivamente há alguém dentro de mim tentando se esticar. Deveria ser um momento de pura euforia, onde Tom e eu entraríamos em êxtase e piscaríamos incrédulos em meio a lágrimas e risos. Não há nada disso.

 Ele não está aqui, e eu apenas toco a minha barriga e deslizo a mão devagar, como num prêmio de consolação.

 Desculpem, bebês. Não consigo ficar feliz agora, mas bom trabalho! É uma pena que o vovô não saberá que vocês mexeram, pois ele morreu.

 A minha garganta fecha e sinto meus canais lacrimais em chamas, como se quisessem expelir algo, mas não tivesse sobrado uma gota sequer. Travo a mandíbula e aperto ainda mais os olhos, vendo as estrelas explodindo por trás das pálpebras. Espero que o teto caia, que o prédio exploda ou que eu simplesmente tenha um ataque do coração. Diante de tudo o que está acontecendo e da velocidade em que as coisas estão dando errado, não consigo acreditar que sairei inteira dessa. Não existe a menor possibilidade, não quando o universo parece estar destinado a acabar comigo.

 Mas nada acontece.

 Permaneço ali, sentada no sofá do apartamento, ouvindo um vozerio baixo enquanto as pessoas ao redor parecem tentar decidir o que fazer comigo. A voz de Eli parece tremer enquanto ele tenta ser firme, como uma criança assustada respondendo a uma prova oral. Ele se despede do que imagino ser a polícia e a porta range ao abrir, mas a mesma logo bate contra a parede ao ser escancarada de uma vez.

 — Por que não me ligou antes?! — o tom de Sara é estridente e ouço seus saltos tocando o chão cada vez mais rápido até ela desabar ao meu lado no sofá.

All My Life | Tom Holland ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora