No telhado da mansão, observei os últimos raios de sol atingindo as montanhas e se despedindo de mais um longo dia. Estava lá em cima fazia dias, meditando e identificando cada um dos poderes que adquiri quando desci ao inferno.
- Telecinesia, ok.
- Eletromagnetismo, ok.
- Velocidade, ok.
- Leitura de mentes, ok.
- Mudança de forma, ok.
...
Eram poderes demais para conseguir listar todos. Mas, meu problema, era que jamais conseguiria usar dois ao mesmo tempo — era uma das regras para que não perdêssemos o controle.
Usar o poder de mais de um demônio era algo complexo, exigia muito autocontrole (coisa que provavelmente eu não conseguiria ter com 36 demônios em mim), mas eu meditava em busca de alguma solução para aquele problema.
Fazia dois dias que não comia nada, cerca de 23h desde que bebi o último copo de água e, mesmo assim, não sentia nem fome e nem sede. Parecia que meu corpo estava se adaptando bem aos novos poderes e isso me dava uma sensação de invulnerabilidade.
Jonathan jamais correria perigo comigo perto. Ele seria livre. Pelo menos mais do que aquele corvo estúpido que insistia em planar ao meu redor e se empoleirar no parapeito do telhado.
— Não me olhe desse jeito, Alef – falei, abrindo apenas um dos olhos e observando o corvo. – Se eu tivesse a mesma coragem que você, não estaria aqui em cima.
Ele respondeu com um pio irritante, dizendo como eu era estúpido de me afastar de Jonathan logo agora que ele precisava de mim.
A notícia sobre a gravidez de Jéssica chegou rapidamente aos seus ouvidos e ele estava arrasado. Tentou falar comigo diversas vezes, mas me limitei a apenas abrir e fechar o caminho de minhoca para as suas aulas com o Sebastian.
De resto, não sabia como ele estava. Jonathan sempre chegava exausto, na maioria das vezes com as roupas rasgadas e cortes nas mãos e nos braços, mas isso era natural para quem era obrigado a enfrentar a floresta diariamente para sobreviver ao treino com Sebastian.
Por mais que a maldição dentro dele afastasse os animais selvagens e os demônios, aquela floresta ainda era lar de seres místicos que se tornavam ameaças perigosíssimas para qualquer um que tivesse coragem de se aproximar.
Vez ou outra, eu ficava preocupado e tentava evocar a visão dele e do Sebastian, mas achava aquilo uma invasão de privacidade em demasia e desistia.
— Você deveria estar estudando para a prova de amanhã. – Lembrei ao corvo, enquanto ele bicava uma das asas à procura de parasitas. – Não pode trancar a faculdade para ficar voando por aí feito um bicho solto.
Ele piou novamente, mandando que eu cuidasse da minha vida, o que me fez rir e lembrar das conversas que tínhamos quando ele era humano.
Apesar de não conseguir quebrar a maldição dele, era bom enfim podermos conversar.
— Vou meditar mais um pouco e depois ir para a cama. – Menti, querendo que ele fosse logo embora. – Amanhã conversamos mais, pode ser?
Meu ex-namorado concordou, mexendo o pescocinho e flexionando as garras para alçar voo e se esconder na escuridão da floresta, de volta para um terreno onde pudesse se transformar em humano novamente, bem longe de mim.
Tinha sorte por ele não ter ciúmes de Jonathan e ainda ficar ao meu lado como um verdadeiro amigo faria. Sentia que seria difícil demais deixar a convivência com ele, ainda mais agora que meu corpo e a minha mente haviam mudado e eu estava mais forte. Ter pessoas queridas por perto ajudava a me lembrar por quem eu estava lutando.
Tentei tirar todos os pensamentos da minha cabeça novamente, ajeitei as pernas uma por cima da outra e meditei.
Infelizmente, antes que eu terminasse, ouvi passos caminhando com dificuldade entre as telhas.
— Céus! – disse Jonathan, com medo de cair lá de cima a cada passo. – Isso é uma armadilha para os meus pés, vou ficar preso aqui e cair. Tenho certeza!
Levantei assim que ouvi sua voz, sorrindo de leve e lhe oferecendo uma mãozinha para enfrentar o restante do caminho.
— Posso ficar sentado aqui mesmo? – ele perguntou, temendo escorregar. – Quer dizer... Olha essa QUEDA! Eu morreria, com certeza.
— Não se preocupe, se você cair, eu pego você.
Ele baixou os olhos, sem graça.
Seu jeito meigo e o brilho dos olhos, por conta do pôr do sol, lhe davam um charme a mais.
— Desculpe te atrapalhar, mas acabei de atravessar o portal e Jéssica disse que você estaria aqui. Ela está lá embaixo, planejando o chá de bebê com a prima Magie.
— Não vou conversar com você sobre isso.
— Eu sei. Se dependesse de você, jamais teríamos essa conversa, mas eu preciso disso.
Ele suspirou, desviando o olhar de mim e tentando se concentrar em outro ponto para ter tempo de pensar no que dizer sem que eu o interrompesse.
— Confesso que fiquei com raiva no começo, então percebi que isso, mais cedo ou mais tarde, iria acontecer. Quer dizer, você é noivo dela! É isso o que acontece, são as regras.
— Por favor, pare de se importar tanto com as regras da família.
— Não posso. Você e eles são tudo o que tenho. E... A nossa família não iria aprovar o nosso relacionamento.
Minha vontade era de contar para ele tudo o que eu planejava fazer. Como já tinha em mente uma forma de destruir de vez o sistema de ranking e conseguir poderes para ir ainda mais longe... Até a capital.
Mesmo assim, fiquei calado e resolvi somente escutar desta vez.
— Só quero dizer que o teste para o ranking será amanhã. Acho que o Sebastian me ensinou o suficiente para que eu não fique em último lugar, mas mesmo assim... Não tenho poderes. Não sou forte como você. Se eu for para o poço, precisa pensar primeiro na família e no seu bebê.
— Você não vai para o poço! – Afirmei, cerrando os punhos. – Se isso passa pela sua cabeça, esqueça.
— Se eu for, não quero que intervenha. A sua prioridade é a Jéssica.
— Garoto idiota – soltei. – Você é mesmo estúpido, se acha que me importo com a Jéssica. Muito menos com o meu futuro dentro dessa casa se alguém sequer ameaçar te fazer mal.
— Mas...
— Não tem nenhum "mas", Jonathan. Não vou deixar que ponham as mãos em você. Eu te amo. Nada e nem ninguém vai te tirar de mim, muito menos essas regras arcaicas.
Antes que eu terminasse de falar, Jonathan se jogou para cima de mim. Em outras circunstâncias, teria brigado com ele por fazer isso justo no telhado, mas, naquele momento, apenas me deixei levar pelo seu beijo e pelo seu abraço.
O crepúsculo já trazia a escuridão da noite quando nossos lábios se desgrudaram e seu sorriso ficou a centímetros do meu.
— Eu também te amo. – Ele confessou.
Voltamos aos beijos, mesmo que eu soubesse que ele havia feito aquilo para acabar com a discussão.
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Ele é o mal (Romance Gay)
Fiksi UmumGay | +18 | Em um mundo onde a magia é real, Theodoro está prestes a completar 21 anos e precisa lidar com a pressão familiar para casar-se e manter a linhagem pura da família. Apesar disso, ele se deixa apaixonar por Jonathan - um jovem com sede d...