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Parecia mais um dia comum no colégio Praça da Cidade, ou Pracinha, como era mais conhecido. Principalmente porque estudavam muitas crianças ali, o que nos leva a sala de aula da professora Clara.

- Hora do recreio, crianças! - Ela dizia. - Calma! Não corram! Tomem cuidado! - Tarde demais, pensou, enquanto era atropelada por uma horda de crianças que passavam correndo a toda velocidade pela porta. - Até daqui a pouco! Elisabete, não corra!

A garota apenas riu ainda mais abertamente, mas não parou sua corrida. Isso arrancou um sorriso de Clara, que observava as crianças felizes por terem alguns momentos de liberdade durante o recreio entre as aulas, ainda que fossem apenas alguns minutos.

Dar aula pra crianças era sempre gratificante. A inocência e alegria delas era contagiante, e sua turma tinha tudo isso para dar e vender. Exceto, talvez, por...

- Benjamin, nós conversamos sobre isso semana passada, lembra-se? - Clara se dirigiu até um menino franzino, com aspecto mal-humorado que estava sentado ainda em sua carteira. - Você não pode ficar dentro da sala durante o recreio. Vá brincar um pouco...

O garoto nada disse, apenas a encarou com resignação ao levantar-se. Ele era um pouco assustador para ela. Talvez não no sentido de teme-lo, mas sim que algo acontecia com ele e ela sentia que não podia acessa-lo.

A mãe de Benjamin falecera quando ele ainda era um bebê e desde então ele fora criado pelo pai, que era uma figura importante da cidade. Na verdade, ninguém sabia dizer de onde vinha o dinheiro da família e, como era de se esperar, boatos corriam. A lista de crimes das quais já tinham relacionado Augusto Ramos era extensa demais para que Clara se sentisse confortável em pensar.

Ela chegou a desconfiar que alguma coisa estranha acontecesse ali, relacionada a Benjamin e acionou uma assistente social. Mas, rapidamente teve a resposta de que não encontraram nada de errado. Rápido demais para que Clara se sentisse tranquila. No fundo de sua mente se encontrava a certeza de que alguma coisa acontecia com aquela família.

Benjamin não tinha amigos. Clara fazia tudo que podia pensar para tentar enturma-lo, mas nada surtia o efeito desejado e o garoto continuava isolado dos demais. Curiosamente, ele aprendia rápido e não apresentava dificuldades onde outras crianças tinham. Mas, havia algo errado... Clara tinha certeza.

Principalmente quando, eventualmente, alguns objetos das crianças sumiam e apareciam nos materiais de Benjamin. Era simples coisas, como borrachas ou lápis, mas ainda assim ela não podia ignorar. Relatou isso para Augusto em uma reunião de pais e mestres, mas, para sua preocupação, o garoto ficou três dias sem ir para o colégio.

Não podendo controlar-se, no terceiro dia foi até a grande casa onde eles moravam e Augusto a recebeu cordialmente. Benjamin estava febril, dissera. Agradeceu a preocupação e até mesmo a levou até o quarto da criança, que dormia tranquilamente. Porque, então, ela continuava inquieta?

Clara observou, pensativa, Benjamin passar por ela e se isolar em um canto do pátio. Ela fechou a porta da sala de aula e se dirigiu para a sala dos professores. Não havia mais nada a ser feito se a assistente social garantira que tudo estava certo.



- Lis! Corra ou perderemos o lugar! O que você trouxe de lanche?

Elisabete, ou Lis, sorriu para amiga, enquanto iam apressadas para o que julgavam ser o melhor lugar de todo o pátio. O local era o mais disputador pelas crianças, por isso elas saíam correndo da sala, em busca daquilo que seria quase um prêmio: sentar-se embaixo da grande árvore do pátio.

Cartas entre nósOnde histórias criam vida. Descubra agora