Enquanto esperava por Flávio, ainda na clínica de Madá, Lis observava Ben e Haro conversando, no mesmo local onde minutos antes Lis ficara sabendo do passado sinistro de Augusto.
Ainda sob o efeito de analgésicos, ela sentia uma imensa vontade de dormir, sentada na pequena copa destinada aos funcionários, mas resistia. Precisava colocar um ponto final nessa história. Esperava que quando tudo isso acabasse pudesse dormir por uma vida inteira.
Não podia ouvir o que falavam, mas viu Benjamin passar a mão pelos cabelos e sabia que ele estava recebendo uma dose de emoções quase maior demais do que poderia aguentar. Os últimos dias tinham sido intensos para todos eles, era exaustivo lidar com tantas coisas acontecendo simultaneamente.
Por um momento, ao ver Benjamin calado, chegou a cogitar que a relação entre os dois ficaria estremecida, mas, após alguns segundos de silêncio, Benjamin virou-se para Haro e abraçou.
À distância, Lis sorriu aliviada. Tudo ficaria bem entre eles, afinal. Quase como se sentisse os olhos de Lis em suas costas, Ben voltou-se para ela e, vendo-a sorrir, disse algumas palavras para Haro e foi encontrá-la.
- Como você está com tudo isso? – Ele perguntou, ao sentar-se ao seu lado.
- Dolorida. Aliás, cansada e esgotada definiriam melhor. E você?
Dando de ombros, Ben alcançou a mão de Lis e começou a brincar com seus dedos. Não importava como ele se sentia agora, só poderia pensar nisso quando tudo estivesse acabado.
- Nós podíamos ir para uma ilha qualquer. – Ele tentou mais uma vez. - Só nós dois... Ou melhor, podemos levar sua família e o Haro também! Até a Madá!
- Ben...
- Eu sei. Foi só uma última tentativa de te convencer. Esse investigador, ele é confiável?
- Flávio? Sim. Tenho certeza que ele vai nos ajudar. Talvez demore um pouco para ser convencido, mas... – Lis sorriu travessamente, sabia que podia persuadir o amigo e que ele não resistiria muito tempo.
Benjamin assentiu e eles ficaram em silêncio, perdidos cada um em seus próprios pensamentos enquanto aguardavam a chegada do policial. Não foi uma espera longa. Logo, Madá abria a porta da copa e dava passagem para ele, que passou por ela feito um furacão.
- Lis? O que aconteceu? – Flávio correu em sua direção ao vê-la ferida e se entender nada do que estava acontecendo ali, numa clínica veterinária.
- Sente-se, Flávio. Eu estou bem. Mas preciso te contar uma longa e complicada história...
Ao fim do discurso de Lis, Flávio a encarava sem acreditar no que tinha ouvido. Não sabia o que era mais chocante: o rosto de Lis, a história que ela contava ou estarem em uma clínica veterinária.
- Elisabete, você se tornou cúmplice. – Ele disse calmamente, tentando disfarçar sua perplexidade. - E acabou de me tornar também!
- Acalme-se, Flávio, tudo dará certo se seguirmos o que eu falei! É arriscado, sim. Mas, não há uma outra saída.
- Isso é errado, Lis! Errado em muitos níveis!
- Errado é ele nos perseguir por toda uma vida. – Benjamin respondeu, quebrando o silêncio em que se mantinha até então. – Não teremos paz, olha em volta e veja o que ele já fez com todos nós. E isso é só uma parte, a lista de crimes de Augusto é extensa. Eu posso providenciar provas para a maior parte deles.
Flávio ficou calado por um longo tempo, considerando as opções que tinha à sua frente. Levantando os olhos, encarou Lis por um instante antes de se pronunciar. No fundo, sabia da índole dela e que ela não pediria algo se não tivesse analisado todas as outras possibilidades.
- Eu vou fazer isso por você! – Disse finalmente, depois de elevar o nível de estresse dos dois com a demora em dar uma resposta. - Porque não quero me deparar com seu corpo qualquer dia desses. E também porque se Marina descobre que deixei você se arriscar sozinha, eu que acabo morto! Mas, se eu for preso por causa disso, Lis, juro que mato vocês dois. Juro por tudo!
Lis sorriu emocionada, sem saber como agradecer. Sabia que Flávio não negaria ajuda-la, mas receber uma declaração, mesmo que de forma incomum, a abalava. Talvez os últimos acontecimentos tivessem a deixado sensibilizada até demais.
- Me deem um dia, não mais do que isso. – Flávio pediu. – E me encaminhem tudo que puderem o mais rápido possível. Cada segundo que se passa é uma chance de um desdobramento ainda pior.
- De qualquer forma só podemos agir amanhã à noite, que é o dia em que Augusto sai para jogar. Eu duvido que ele fuja antes de se despedir da boa e velha jogatina. – Benjamin respondeu, estalando os dedos, um pequeno gesto que demonstrava a tensão tomando conta dele, ao prever os acontecimentos posteriores.
Depois que Flávio saiu, Benjamin e Lis despediram-se de Madá, agradecendo por tudo que ela tinha feito, e também de Haro, seguindo para a casa de Lis.
Com cuidado, Ben a ajudou a sair do carro e a guiou até seu quarto.
- Confortável? – Ele perguntou quando ela se deitou.
- Sim. O máximo que é possível ficar. – Lis respondeu, com uma expressão dolorida.
- Lis, você não precisa ir comigo amanhã. Eu resolvo tudo com o Flávio. Nós podemos dar conta de Augusto.
- Isso está fora de questão, Ben. Principalmente agora, depois do que ele fez a mim. Quero ver Augusto sendo preso com meus próprios olhos!
- Se alguma coisa sair errada, Lis... – Ele começou, sendo interrompido no mesmo instante.
- Nós estaremos juntos. Chega, Ben, chega de ficarmos separados ou com medo do que Augusto pode causar a nós dois. Nós vamos mandar um recado muito bem dado a quem quiser nos ferir novamente.
Benjamin concordou, ainda pensativo. Tinha medo de que algo saísse do controle. Tudo era possível vindo de seu pai. Até agora não tinha conseguido estar à frente de Augusto em nenhum momento.
- Vai ficar aqui comigo? – Ela perguntou, segurando sua mão e olhando os machucados que estavam ali, fruto do encontro com Rafael.
- Não deixarei você sozinha por mais nenhum minuto. Passei no hotel para pegar algumas roupas, depois que tive aquele breve encontro com Rafael.
Lis fechou os olhos com a menção ao nome do seu ex. Queria esquecer que um dia tinha sido tão próxima a ele.
- Nem me fale desse filho da puta. Sabia que alguém tão chato não podia ser boa coisa...
Dando uma gargalhada, Benjamin se aproximou dela ainda mais e deitou-se na cama ao seu lado.
- Seu ex.
- Eu devia estar em alguma espécie de autoflagelo para aguentar aquele idiota por tanto tempo. Como pude ser tão burra?
Ben virou-se para ela e a olhou por alguns segundos. Seu rosto estava marcado e suturado, nos olhos havia hematomas de cores escuras. Mas mesmo assim, ela continuava linda.
Linda e destemida, Lis.
- Eu espero que você melhore logo. – Benjamin disse, em um tom de voz baixo e rouco.
- Não acredito que você está pensando nisso agora, Benjamin! – Ela o recriminou, rindo. Ou o mais perto que podia chegar de uma risada.
- No que mais eu poderia pensar? – Ele questionou, acompanhando-a na risada. – Talvez seja a última noite de nossas vidas.
- Nós vamos apenas começar nossa vida juntos... E, caso seja a última, eu fico feliz de ter você aqui comigo. – A fala de Lis era sincera e deixou um traço de emoção no rosto de Ben.
Depois de tanto tempo separados, finalmente eles estavam juntos.
Ele entrelaçou seus dedos ao dela, desejando que seu pai nunca tivesse existido e que a vida com Lis fosse apenas a vida de um casal normal. Sem violência ou a morte os perseguindo a cada esquina.
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Cartas entre nós
RomanceElisabete era só uma criança quando salvou Benjamin de algo que ninguém tão jovem deveria passar. Os dois tornaram-se inseparáveis, contrariando o que todos em sua volta acreditavam. Anos depois os fantasmas do passado voltam a assombra-los e colo...