Dezoito

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Não houve um só dia de folga depois que Benjamin acompanhou seu pai. Foi arranjado para que ele terminasse os estudos em casa e, enquanto isso, os treinamentos particulares de Augusto eram intensos.

- Levante-se, Benjamin. Você sempre foi um tanto fracote, mas agora está de parabéns.

Ben tentava se erguer, limpando o sangue que escorria de seu nariz, que tinha grandes chances de estar quebrado. Quinzenalmente seu pai arrumava lutas para ele, o que deveria ser um treinamento, mas, na verdade, Benjamin mais apanhava que batia. Enquanto isso, Augusto ficava sentado, assistindo e avaliando a performance do filho.

- Eu espero que você aprenda a se virar, Benjamin. Diferente do que possa parecer, eu não quero que você morra logo que assumir o meu lugar.

E os dias foram passando, a cada vez Benjamin se sentia mais forte, em contrapartida parecia que uma parte da sua alma ia embora a cada vez que dava um passo em direção aos negócios do pai.

Não demorou para que ele percebesse que nunca teria sucesso em proteger Lis se ficasse pensando nela o tempo inteiro. Não havia volta, para mantê-la segura ele precisava esquece-la. Precisava manter seu pai longe dela e a única maneira era desvincular sua imagem à dela.

Pensando que agradar seu pai era o caminho mais fácil para garantir a vida de Lis, ele dedicou-se. Tornou-se exatamente o que seu pai esperava dele, mas, não foi um caminho fácil.

Perdeu as contas de quantas vezes ficou tão machucado que sair da cama já era uma luta por si só. Ou então, todas as noites em que chorou antes de dormir, tentando empurrar para longe a saudade que sentia de Lis e Haro.

Não sabia sequer se Haro tinha se recuperado, ficou com medo de ir atrás da informação porque não saberia lidar com a culpa se ele tivesse morrido.

As lágrimas cessaram quando já não havia mais o que ser tirado dele. Dez anos depois, ele finalmente era exatamente o que o pai queria. Agora, era alguém preparado para ludibriar e, se necessário, matar. Benjamin tinha se destacado pela inteligência com os negócios do pai, o que gerou um aumento de lucro absurdo e o fez receber um elogio pela primeira vez desde que nascera.

Mas, o crescimento no volume das negociações exigiu um lugar seguro para receber os interessados nos produtos que vendiam.

Quando o Flor de Copas foi criado, Benjamin já esperava que chamasse atenção da polícia. Ele acreditava que podia encobrir um crime com outro, colocando o ponto de encontro em um cassino ilegal e tendo um laranja, Antunes, para levar a culpa, sendo muito bem pago para essa função.

Com a polícia fechando o cassino, ele já pensava em uma nova localização para os encontros com os seus sócios. Contrariando seu pai, pensava em manter o mesmo nome. Não era apenas por teimosia, o nome tinha um peso especial para ele.

Seu pai estava responsável por lidar com a polícia e descobrir tudo sobre cada um deles para que pudesse achar um ponto fraco. Esse foi o erro de Benjamin, que já sentia que iria se arrepender dessa negligência de sua parte quando o pai o chamou em sua sala.

- Sente-se, Benjamin. – Augusto ordenou, e o olhava de um modo estranho.

Há muito tempo Benjamin já não sentia medo de seu pai. Talvez agora a situação tinha invertido um pouco, Augusto sabia que Benjamin podia enfrenta-lo se quisesse e só não fazia porquê de tempos em tempos ele dizia algo que lembrava o próprio filho a quem ele estava protegendo. Eram frases suaves, mas carregadas de conteúdo, como "eu sempre posso visitar o passado, Benjamin, ou pedir para alguém faze-lo", dito em uma conversa aleatória durante o jantar. Era mais que o suficiente para que Benjamin esquecesse qualquer pensamento de vingança.

- Você me surpreendeu durante esses anos, devo assumir. Tornou-se o filho que sempre sonhei ter.

A expressão de Benjamin era impassível, não mexia um músculo sequer enquanto aguardava onde o pai chegaria com essa conversa.

- Hoje, me orgulho de você e do que fiz para que você se tornasse alguém melhor.

Melhor. Benjamin quase riu ao ouvir isso. Ele era forte e só. Tudo de bom que podia existir nele tinha ficado para trás.

- Mas, quando olho para você ainda vejo, lá no fundo, uma resistência.

Augusto podia ser ainda mais esperto do que Benjamin imaginava, nem mesmo ele podia reconhecer que essa resistência ainda existia.

- Portanto, preciso que você prove para mim que pode ser alguém confiável. Veio a calhar essa investigação sobre o Flor de Copas. Me deu uma razão para fazer exatamente o que eu precisava.

Benjamin o encarou confuso, não entendeu o que o pai queria dizer. O que tinha a ver o Flor de Copas com sua lealdade? Não tinha feito nada de errado sobre o cassino. Mesmo assim, aguardou. Nada de bom poderia vir dali.

- Você esteve ausente da minha própria investigação quanto aos policiais do caso. Esse é Flávio Pereira, um dos que está encabeçando o caso e já nos atrapalhou anteriormente.

Augusto estendeu para Benjamin a ficha de Flávio, que continha também algumas fotos dele. Olhou-as com indiferença, não importava para ele quem estava investigando o Flor de Copas, eles nunca teriam sucesso, de qualquer forma.

- Mas, como eu disse, ele é apenas um dos investigadores e, sinceramente, ele não me preocupa. O outro ponto é...

Seu pai joga outra ficha na mesa e essa prende a atenção de Benjamin.

- Elisabete Branco. A sua Lis. E você precisará elimina-la.

Benjamin sorriu, não querendo demonstrar que a informação o abalou.

- Nós não tínhamos um acordo? – Questionou, ainda olhando fixamente para a foto daquela Lis mais velha.

- Eu preciso saber que você está totalmente do nosso lado, Benjamin. Ela está atrapalhando nossos planos, precisamos que desapareça. Nem pense em armar alguma coisa que não seja a morte dela. Quero o corpo aqui, na minha sala, ou eu mesmo irei fazer isso. Estou te dando o benefício de escolher fazer à sua maneira, porque eu com certeza vou fazer de um jeito pior que você.

De alguma forma estranha, Benjamin estava orgulhoso de Lis. Ela estava incomodando os negócios do seu pai. Mais do que isso, estava frustrando os próprios planos de Ben. E isso era maravilhoso.

Mas, de novo seu pai ameaçava a vida dela. Benjamin ainda não sabia o que fazer, nem como fazer, mas jamais deixaria algo assim nas mãos do seu pai.

- Eu faço.

Pegando a ficha de Elisabete, ele levantou-se e saiu, deixando Augusto com uma expressão mista entre dúvida e uma alegria sádica.

Pegando a ficha de Elisabete, ele levantou-se e saiu, deixando Augusto com uma expressão mista entre dúvida e uma alegria sádica

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