Elisabete era só uma criança quando salvou Benjamin de algo que ninguém tão jovem deveria passar.
Os dois tornaram-se inseparáveis, contrariando o que todos em sua volta acreditavam.
Anos depois os fantasmas do passado voltam a assombra-los e colo...
- Me solte! – A voz de Benjamin ecoava na noite, ainda que ele não tivesse esperança de que alguém viria resgata-lo.
- Cale a boca, seu moleque imprestável! – Seu pai o arrastava, segurando-o pelo braço e tornando impossível uma fuga. – Vou te dar uma lição por não cumprir suas obrigações como deveria ter feito! Duas carteiras? Duas? É isso mesmo? E praticamente sem nada dentro! É para isso que eu te alimento?
Benjamin não disse nada para não aumentar ainda mais a raiva de seu pai, mas há dias ele não era alimentado como qualquer ser humano deveria ser.
- E é melhor você não abrir essa boca se não quiser morrer essa noite mesmo. – Augusto sentenciou.
Ele arrastava Benjamin pelo braço para um beco escuro. Não era a primeira vez que o garoto apanhava do pai e ele sempre se perguntava quando seria a última. Cada vez mais Augusto ultrapassava os limites, chegando a deixa-lo inconsciente. Na maioria das vezes Benjamin aguentava tudo em silêncio e eram raros os momentos em que sequer chorava. A resistência parecia deixar seu pai ainda mais bravo, mas era a única coisa da qual Benjamin se orgulhava de fazer. Resistir.
Normalmente os golpes eram em lugares que as roupas poderiam cobrir, principalmente quando ele tinha que ir para o colégio. Mas, não foram poucas as vezes em que Benjamin precisou ser levado para algum hospital com um membro fraturado.
- Meninos, doutor, você sabe como eles são. Sempre aprontando alguma coisa. – As frases amáveis eram sempre acompanhadas de subornos discretos e silenciosos. Presentes dados para quem acabava ajudando Augusto a camuflar suas ações pouco louváveis. – Eu insisto em lhe proporcionar um jantar, doutor, por ter cuidado tão bem do meu filho.
Foi assim também com a assistente social que checou a denúncia feita pela professora Clara. Dias depois ela pediria folga em seu trabalho para curtir um final de semana em um lugar paradisíaco.
Não podia se esquecer da vez que ele furtou um lápis colorido para pintar um desenho que tinha feito de sua mãe, porque Benjamin não tinha nada além de um lápis comum e queria colori-lo. Para sua infelicidade, a professora Clara viu e contou para Augusto. Seu corpo doía tanto pela surra que levou depois disso que ele não pode ir para escola por alguns dias por causa de uma costela que fora quebrada. Mas, para todos, ele tinha se ausentado apenas por um resfriado comum.
Agora, as férias estavam sendo como todas as outras desde que ele podia se lembrar. Seu pai impunha uma série de desafios cada vez mais difíceis e que implicavam em cometer pequenos crimes. Augusto dizia que tinha começado sua carreira assim e seu filho precisava seguir os mesmos passos. Sua fortuna fora construída em cima de todas as atrocidades e ilegalidades que os boatos diziam, talvez até um pouco mais.
Por estar há dias sem comer direito, Benjamin usou o dinheiro de uma das carteiras para comprar algo para comer. Achando que não poderia ter mais azar do que já tinha na vida toda, ele foi pego no ato. O lanche que tinha comprado agora jazia no lixo, onde fora jogado por seu pai, que o arrastava para o beco, não podendo sequer esperar chegar em casa para dar-lhe a lição.
A palavra férias sempre o assustou, ao contrário do sentimento que deveria causar em qualquer criança. Eram nelas, sem ninguém para ver, que seu pai passava dos limites, não tendo problema nenhum em deixar marcas por todo seu corpo.
E, assim, naquele pequeno vão escuro entre as casas, começou mais uma vez. Primeiro, um soco em seu rosto que o fez ir ao chão. Então dor. E mais dor. Até que tudo que Benjamin pudesse sentir fosse o gosto de sangue em sua boca. Sangue demais. Se pudesse, Benjamin sorriria com o pensamento de que talvez a morte, enfim, estivesse vindo para trazer alívio para sua agonia.
Demorou para que o garoto percebesse que tudo tinha parado. Só restava agora um silêncio assustador que o abraçava. Ele não conseguia se mexer e passou por sua cabeça que se ficasse ali acabaria morrendo. Sabia que seu pai tinha o abandonado justamente para isso, para que morresse naquele beco.
Tudo que Benjamin podia enxergar era o brilho escarlate de seu sangue no chão. Pedia, silenciosamente, para que a morte viesse rapidamente para o livrar de tudo aquilo. Não podia mais suportar.
- Socorro! Alguém me ajude, por favor! – Definitivamente não era sua voz que gritava. Parecia distante, mas tampouco a morte teria uma voz tão fina assim.
Lis caminhava de forma rápida e cuidadosa, estremecendo ao avistar, de longe, o beco onde teria que passar em frente. Acelerou novamente o passo, decidida a ultrapassa-lo o mais depressa que conseguiria. Mas, quando já estava quase o deixando para trás, um som chamou sua atenção e a fez olhar para além dele, onde a escuridão persistia.
Era um som como se alguém estivesse se afogando, mas, como alguém poderia se afogar ali?
O que ela viu ao ceder para sua curiosidade a fez se desesperar. Havia uma pessoa caída não tão distante da rua, um garoto não muito maior do que ela. Ele estava em uma poça de sangue, que saía por seu nariz e boca em grandes quantidades, impedindo-o de respirar corretamente. O menino estava se afogando com seu próprio sangue!
- Socorro! Alguém me ajude, por favor! – Lis começou a gritar imediatamente. Precisava de um adulto, definitivamente não podia resolver essa situação sozinha. Sentia-se totalmente incapaz e as lágrimas brotavam em seus olhos, assim como todo seu corpo tremia. – SOCORRO! Por favor...
- O que houve, garota? – A voz soou como uma benção para ela. – Meu Deus... – O homem a empurrou para trás quando viu o garoto caído ao chão. Assim que ele foi colocado de lado, para que pudesse respirar melhor, Lis assustou-se por reconhece-lo. Era Benjamin, da sua turma no colégio.
Lágrimas quentes escorriam pelo seu rosto agora. O que teria acontecido com ele? O homem o pegou com carinho e rapidamente começou a caminhar pela rua, em direção a um outro local que Lis não deveria se aproximar.
- Vamos lá... Seja forte, rapaz. Você vai conseguir. – Ele dizia calmamente, como se Benjamin pudesse ouvi-lo. Em seus olhos, era possível ver a determinação em acabar com o sofrimento do garoto em seus braços.
O homem era Haro e, ao contrário de todas as advertências de sua mãe e mesmo sabendo que isso custaria uma punição posterior, Lis o seguiu.
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