Vinte

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Haroldo amparou Lis e a levou até o sofá. Algumas lágrimas caíam silenciosamente pelo rosto dela e suas mãos tremiam. Não havia mais nenhum sinal da Lis controlada de antes.

Ainda sem entender o que ela tinha dito, ou melhor, resistindo em aceitar que poderia ser real o fato de ela ter visto Benjamin, Haro foi fazer um chá para eles dois. A desculpa era a necessidade de acalma-la, mas, no fim, era ele quem estava precisando se acalmar e ficar parado só estava piorando a situação.

Pelo estado de Elisabete, não tinha sido um bom encontro com Benjamin e ele não sabia até que ponto poderia ser ruim. Seu ar faltou quando a possibilidade de ele ter morrido passou por seus pensamentos. Não, não podia ser isso.

Assim como as de Lis, suas mãos tremiam, e a simples tarefa de arrumar xícaras com chá se tornou difícil. Ferver a água não tinha sido tarefa o suficiente para trazer alguma calma, então, mancando, Haro voltou para sala e tentou servir Lis.

- Deixe que eu faço isso, Haro. – Ela colocou sua mão sobre a dele, vendo a dificuldade que ele tinha em adoçar seu chá.

Os dois seguraram as xícaras, mas nada beberam. Foi Lis quem falou primeiro, e ela começou contando um breve resumo sobre o Flor de Copas.

- Mas, eu desconfiei que faltava alguém, Haro. Faltava o cérebro de tudo isso. Quando essa informação veiculou na mídia eu logo recebi uma mensagem. Era de Benjamin...

- Como você sabe que...

- Era ele, eu tinha certeza. A mensagem falava sobre coisas que só a gente poderia saber. Ele pedia para que eu o encontrasse no Pracinha... Haro, ele mudou muito!

- O que você quer dizer?

Elisabete tinha escondido, propositalmente, a fala de Benjamin sobre matá-la. Achou que seria dolorido demais para Haro ouvir isso e não queria que ele sofresse ainda mais. Já bastava a forma como tudo estava acontecendo.

- Agora ele parece uma cópia do Augusto. Parece não existir mais nada do Benjamin ali...

Largando a xícara sobre a mesa de centro, Haro se levantou e começou a andar pela sala. Sabia, desde o momento que Benjamin fora levado, que o menino que conhecera seria morto. De uma forma ou de outra.

- O que você vai fazer, Elisabete? Você vai prendê-lo? – Haro encarava o ferro velho pela janela. Estava tão escuro que ele nada conseguia enxergar, mas mesmo assim via Benjamin entre os carros, ajudando-o ou apenas correndo com Elisabete em seu encalço.

Lis não tinha resposta para isso porque nem ela sabia. A sua obrigação como policial era entregar Benjamin naquele instante, mas não conseguia. Por outro lado, se não fizesse, como iria fingir uma investigação? Estaria sendo cúmplice dele.

- Eu não sei, Haro.

O homem suspirou, vendo a imagem de Benjamin se desintegrar sob seus olhos. Lis podia ver, pela postura rígida de Haro, que ele estava sofrendo entre a vontade de proteger Benjamin e fazer o que era certo.

- Faça o que for preciso. – Disse, enfático. - O Benjamin que nós amamos morreu há dez anos atrás.



Benjamin dirigia a uma velocidade pouco aceitável pelas ruas da cidade. Tinha cometido um erro. Um maldito erro.

Mesmo diante de todas as ameaças de seu pai, ele nunca poderia matar Elisabete. Mas, ele não deveria ter ido vê-la.

- Droga! – Ele bateu no volante do carro algumas vezes. – Burro!

Tinha levado todos esses anos para conseguir uma certa distância de Elisabete, mesmo que em pensamentos. Só ele sabia quão difícil tinha sido deixar de pensar nela todos os dias, sem parar. Agora tinha feito a besteira de encontrá-la.

Tudo que sentiu um dia parecia ter voltado como uma avalanche. Mas o pior era a forma como Lis reagiu... ou não reagiu.

Não imaginava que Lis fosse ser tão fria. Por que ela riu quando ele disse que precisava matá-la?

Ao chegar em seu quarto de hotel, onde morava nos últimos meses, sabia que uma hora ou outra teria que encarar seu pai e justificar o motivo de ainda não ter matado Lis. Precisaria ganhar algum tempo, depois precisaria pensar em como fazer isso.

Jogou-se na cama, lembrando-se da mulher que encontrou pouco tempo antes. A imagem dela não parava de passear por sua mente em uma mistura da Lis criança, adolescente e adulta.

- Droga, droga, droga! – Benjamin alcançou seu celular e abriu a conversa que tinha tido com ela, mais cedo. Era apenas uma frase, mas tinha tanto significado para ele que chegava a doer. A foto dela não era visível, provavelmente porque ela não tinha adicionado seu número entre seus amigos, mas ele gostaria de vê-la.

Observou que Lis estava online e sentiu uma pontada incômoda, será que ela o entregaria? Provavelmente sim. Por outro lado, ela teve a chance de pega-lo no Pracinha e não o fez.

Lembrando-se de Haro, Benjamin se arrependeu de não ter perguntado sobre ele para Lis.

- Você não passa de um covarde, Benjamin. Um covarde. – Disse consigo mesmo, largando o celular e levantando-se para ir até o banheiro. Tomar um banho clarearia suas ideias, ele esperava.



Lis não demorou muito na casa de Haro. Depois que o primeiro impacto passou e seus pensamentos voltaram a ficar em ordem, ela sabia exatamente o que precisava fazer.

Talvez não o que todos achavam que era o seu dever, mas sim o que seria o melhor para ela no momento.

Fazendo uma ligação enquanto dirigia, e batendo seu recorde de imprudências em um só dia, Lis pensava na sua decisão.

Tinha tudo para dar errado, mas se não fosse assim de que outra forma poderia ser?



Sentindo que seu banho não tinha adiantado em absolutamente nada, Benjamin vestiu a calça do seu pijama e, ainda parcialmente molhado, decidiu procurar alguma coisa para comer. Não na pequena cozinha que havia ali, claro, mas no cardápio do serviço de quarto.

Aceitaria comer qualquer coisa que passasse longe de um bolo de chocolate. Estava farto de lembranças.

Decidiu-se, por fim, por uma pizza. Nada fora do convencional. Já tinha feito tantos pedidos iguais que era até conhecido pelo nome e pelo número do seu quarto... 171. Um número bastante sugestivo, por sinal.

Enquanto aguardava, passou por alguns canais na TV, viu pedaços de filmes, documentários sem graça e clipes de músicas que ele nunca tinha ouvido. Nada prendia sua atenção e sua mente voava para longe a todo instante.

Assustou-se quando a campainha tocou, ficando aliviado em seguida. Estava faminto e não via a hora de comer, quem sabe assim tiraria Elisabete de uma vez por todas de seus pensamentos.

Mas,a não ser que a pizza estivesse muito diferente, quem tinha chegado até seuquarto era ela mesmo. Lis. 

 

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Cartas entre nósOnde histórias criam vida. Descubra agora