Elisabete era só uma criança quando salvou Benjamin de algo que ninguém tão jovem deveria passar.
Os dois tornaram-se inseparáveis, contrariando o que todos em sua volta acreditavam.
Anos depois os fantasmas do passado voltam a assombra-los e colo...
Logo na manhã seguinte, Lis acordou já sabendo que sua mãe implicaria caso ela quisesse sair de casa. Então, tratou de se comportar o melhor possível, sem sequer tocar no assunto da noite anterior. Sabia que qualquer deslize custaria dias a mais de castigo e não queria arriscar sua liberdade.
Seus pais pareciam até aliviados quando viram que Lis não insistiria em falar de Benjamin ou Haro. Jantaram conversando sobre amenidades e não estranharam quando, no horário de costume, Lis se disse cansada e retirou-se para seu quarto, com o intuito de dormir.
Ao menos dormir foi o que ela disse que faria. Mas, na verdade, ela deitou-se na cama e esperou até que a casa ficasse em silêncio, o que sinalizava que seus pais também já tinham se retirado para o quarto.
Colocando a cabeça para fora de sua porta, aguardou alguns instantes quase sem respirar para ver se ouvia alguma coisa, mas tudo estava em paz. Seguiu andando na ponta dos pés, desceu sorrateiramente as escadas e saiu pela porta da frente, torcendo para que seus pais não tivessem escutado quando ela girou a chave para abri-la. O portão de sua casa era baixo, e tudo que ela precisou fazer foi pula-lo sem grandes dificuldades.
Encontrando-se na rua, Lis correu por ela, esquecendo-se do medo que sentiu por andar pelo menos local na noite anterior. Tudo em que seus pensamentos estavam focados era em chegar até a casa de Haroldo.
O ferro velho não era distante e, quando ali chegou, tocou a campainha com insistência até que Haro, confuso, viesse atende-la. Os cachorros latiam desesperadamente no quintal, se demorasse mais um pouco Lis tinha certeza que acordariam a vizinhança inteira.
- Minha nossa, já vou! – Ouviu dize-lo lá dentro. – Quietos! Que desespero... Elisabete! O que você está fazendo aqui a essa hora?
Haro estava totalmente surpreso em vê-la ali. Depois do episódio com os pais da garota e da bronca que ela devia ter levado, imaginou que Lis fingiria que a terrível cena da noite passada nunca tinha acontecido. Lidar com pais abusivos e violentos não fazia parte do mundo cor de rosa da garota, mas, Haro enganou-se. Lis estava parada em seu portão, parecendo bastante ansiosa para entrar.
- Vamos, entre...
- Oi, Haro... Como ele está? – Ela foi logo perguntando, olhando para ele na expectativa de uma resposta.
- Foi uma noite difícil. Por alguns momentos pensei que teria que ceder e leva-lo a um hospital... Mas, ele acordou melhor, graças a Deus. Até conseguiu comer um pouco de sopa... Você não devia estar aqui, Elisabete! Ainda mais a essa hora da noite!
A garota ignorou o olhar de censura que Haro lançou para ela. Sentia-se aliviada por saber que Benjamin estava melhor. Seria ainda mais perturbador se depois de tudo algo de pior acontecesse com ele.
- Eu posso vê-lo? – Perguntou, sem poder se conter.
O homem pensa por alguns instantes, mas o que poderia fazer? A menina já tinha se arriscado vindo até aqui só para vê-lo, não fazia sentido negar a presença dela.
- Espere um pouco aqui, verei se ele está acordado ainda...
Lis sentou-se no sofá onde Benjamin foi colocado quando Haro cuidou dos seus ferimentos e acompanhou com os olhos o homem ir até o fim do corredor, entrando na última porta. Aguardou de forma impaciente e só naquele momento passava por sua cabeça que não fazia a menor ideia do que dizer a Benjamin quando o encontrasse.
Eles nem ao menos se conheciam e a lembrança mais marcante que tinha dele era sobre o roubo de seu bolo...
- Lis... – A voz gentil de Haro a tirou de seus devaneios, nem tinha visto que ele já estava de volta à sala. – Benjamin não quer receber visitas...
É nítida a expressão de tristeza que passou pelo rosto dela quando ele disse isso.
- Mas... Eu...
- Desculpe, Elisabete... – Haro sentiu-se mal por magoa-la. Tinha se afeiçoado ao perfil corajoso da garota, mas não havia o que fazer. - Eu até tentei insistir, dizendo que você foi essencial para que ele esteja vivo agora, mas Benjamin é teimoso e está irredutível. Vamos, eu acompanho você até sua casa...
Sem espaço para insistir ainda mais, Lis aceitou a companhia de Haro para percorrer a curta distância até onde morava.
- Haro... Foi o pai dele? Que fez isso, quero dizer... – Ela perguntou, reticente.
Soltando o ar devagar, o homem tentou ganhar tempo para responder, mesmo sabendo que Lis aguardava com expectativa.
- Sim... E talvez não tenha sido a primeira vez.
- Ah... – Lis ficou pensativa, sem saber como reagir quanto a tudo isso. – Como vai ficar a situação dele agora? Ele vai voltar para casa?
- O pai dele não está lá. Eu chequei hoje pela manhã. Me falaram que ele passará algum tempo fora... E, caso ele volte a aparecer um dia, para aquela casa Benjamin não volta! Nem que para isso eu tenha que... Ah, deixa pra lá...
Ela tinha a impressão que Haro falaria algo grave e, sinceramente, não se importaria. Sentia ódio de Augusto pelo sofrimento que infligiu ao Benjamin.
Os dois pararam de caminhar quando chegaram próximos à casa de Lis e a garota sentia-se determinada a continuar com o plano que tinha traçado.
- Eu não vou desistir de vê-lo, Haro.... Principalmente agora que ele se negou a me receber... – Ela sorriu travessamente para o homem a sua frente, fazendo-o revirar os olhos. – Ele me roubou um bolo um dia e me deve ao menos uma visita, não acha?
- Aonde esse garoto foi se enfiar? – Ele suspirou, tentando conter o riso. – Faremos diferente, então... Me ligue quando tiver uma oportunidade e eu tentarei convencer Benjamin a receber você, tudo bem? Não é seguro que você ande por aí sozinha, à noite. Combinados assim?
Mesmo que tenha enrubescido com o comentário de Haro sobre sua fuga, o rosto de Lis se ilumina com o plano secreto que estavam firmando naquele instante.
- Combinados! – Respondeu, em êxtase, e Haro passou para ela um cartão de seu ferro velho, onde encontrava-se o número de seu telefone. – Obrigada, Haro! – Lis, então, inesperadamente se jogou em seus braços, abraçando-o e o pegando totalmente de surpresa.
- Deus... – Ele lamentou, fingindo estar desgostoso. – Minha vida era tão mais tranquila cuidando só de animais. Agora vá, Elisabete!
Lis foi correndo até o portão de sua casa, o pulando novamente e, dando um último aceno para Haro, passou silenciosamente pela porta, pronta para fingir que não tinha saído de seu quarto nem por um segundo sequer.
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