Elisabete era só uma criança quando salvou Benjamin de algo que ninguém tão jovem deveria passar.
Os dois tornaram-se inseparáveis, contrariando o que todos em sua volta acreditavam.
Anos depois os fantasmas do passado voltam a assombra-los e colo...
Lis sabia que não deveria estar fazendo aquilo, ainda mais àquela hora da noite. Sua mãe ficaria brava e bastante chateada, o que renderia uma enorme bronca para ela e talvez até mesmo um castigo. Mas, simplesmente não poderia virar as costas e fingir que nada tinha acontecido.
De repente, sem que a garota percebesse, uma grande dose de responsabilidade foi adicionada em suas costas. De forma rápida e grosseira as portas de um mundo que ela não conhecia se abriram à sua frente. Um mundo onde garotos de sua idade eram espancados pelo próprio pai, como ela viria a saber mais tarde, quando soubesse os detalhes de como tudo aconteceu.
Isso aflorou algo que Lis não conhecia em si mesmo: ela era mais forte do parecia e também mais determinada. Mesmo antes de saber exatamente o que tinha acontecido com Benjamin, seu senso de justiça gritava, implorando para que algo fosse feito.
Com essa mistura de sentimentos, ela seguiu Haro até o ferro velho e ele não pareceu se importar ao vê-la ali, ao seu lado. Inclusive ela pode ajudá-lo, pegando as chaves e abrindo a porta da casa. Percebeu, nesse momento, que suas mãos ainda tremiam.
Haro depositou Benjamin em um sofá velho e descuidado, no cômodo que parecia ser a sala, já que também havia uma TV antiga ali.
- Como você se chama? – Haro perguntou para ela, encarando-a pela primeira vez.
- Elisabete... Lis... – Ela respondeu, com sua voz enfraquecida pelos temores que sentia.
- Ótimo, Elisabete, ali é a cozinha. – Ele disse, apontando para uma porta aberta à sua direita. – Vá até lá e traga-me um pano limpo. Há também um armário ao lado da geladeira onde estão alguns remédios. Traga tudo que encontrar, por favor. – Ainda que a voz dele tentava passar calma e tranquilidade, era possível ver que isso era exatamente o contrário de como ele se sentia.
Lis obedeceu e, quando retornou com uma pesada caixa de medicamentos, Haro passou a dar instruções para que ela o ajudasse a cuidar dos ferimentos de Benjamin.
- Ele não devia ir para um hospital? – A garota perguntou, enquanto limpava delicadamente o rosto do menino desacordado à sua frente.
- Para o pai dele busca-lo lá e terminar o que começou? Não, podemos fazer isso aqui e tentar dar um destino melhor para esse garoto. – A voz de Haro demonstrava todo o desprezo que sentia por Augusto e a informação sobre o pai de Benjamin assustou Lis. Nunca antes tinha sentido vontade de machucar alguém – tirando as vezes que queria empurrar os meninos que zombavam dela -, mas agora desejava que o pai de Benjamin sentisse muita dor.
O rosto do garoto, mesmo após ser limpo, ainda estava inchado. Quase totalmente deformado. Talvez não tivesse sido boa ideia para Lis ter comido tanta pizza no jantar, porque nesse instante tudo parecia revirar em seu estômago.
- Você está pálida. – Haro notou. – Vá até a cozinha e beba água. Tente se controlar, a vida não é fácil para todo mundo... – A frase carregava tristeza e não amargura. Haro sofria verdadeiramente pelo acontecido com Benjamin.
Seguindo as instruções de forma automática, Lis serviu-se de um grande copo d'água gelada e sentou-se à mesa. Tomou consciência de que algo muito grande tinha mudado dentro dela a partir de agora. Não havia volta... Nunca mais voltaria a ser a Lis de antes.
- Ele vai ficar bem. O garoto é forte, apesar de tudo.
Lis quase derramou a água que tomava ao ouvir a voz de Haro atrás de si. Ele vai ficar bem. As palavras retumbavam em sua cabeça. Quase não o conhecia, nem sequer gostava dele, mas agora parecia que tudo dependia dessa condição.
- O senhor é médico? – Perguntou, ainda pensando que Benjamin precisava de um.
- Já fui. Em um passado bem distante... Não precisa me chamar de senhor.
Mesmo se perguntando e querendo saber o porquê de ele não ser mais um médico, não verbalizou. Apenas assentiu.
- Vamos, Lis. Vou levar você para casa. Seus pais devem estar preocupados com sua ausência a essa hora da noite. Não queremos mais uma confusão.
- Eu... Eu posso visita-lo amanhã? – A pergunta saiu antes mesmo que ela pudesse controla-la. Não sabia porque queria vê-lo, já que eles nem tinham amizade.
Haro a analisou por alguns momentos como se pudesse ver a inocência e a maturidade brigando por espaço dentro daquela pequena garota à sua frente.
- Acho que sim... – Disse, por fim. – Mas, não sei se ele irá querer ver você... – Vendo a surpresa da garota com esse comentário, ele completa: - Quero dizer... É bem possível que ele se sinta envergonhado pelo o que aconteceu hoje...
- Tentarei mesmo assim! – A determinação na fala de Lis fez Haro dar um sorriso resignado. Crianças.
Suspirando, ele a acompanhou até a porta e os dois caminharam juntos pela pequena distância até a casa de Lis.
Quando seu pai atendeu a porta, ela pode perceber que a noite seria longa. Principalmente porque sua mãe chorava e falava com alguém ao telefone, possivelmente a polícia.
Celeste desligou a ligação e encarou Haro com fúria em seus olhos. Foi preciso mais de uma tentativa para que ele conseguisse explicar, ao menos superficialmente, o que havia acontecido.
Tentou ajudar Lis, contando que ela tinha se atrasado por ter ajudado Benjamin, que se acidentara, e por isso não devia ser culpada. Lis só tinha feito o que qualquer pessoa de bom coração faria em seu lugar.
Não adiantou. Assim que Haro deixou sua casa, Lis ouviu um sermão enorme de como poderia ter ligado e avisado. Até mesmo poderia ter chamado seus pais para ajudá-la!
Lis não quis contar os detalhes do que enfrentou, então, não pode explicar que em meio a tanto sangue não pensou em telefonar.
Ela também foi lembrada a se manter longe de Haro e Benjamin. Lis, que até pouco tempo atrás sentia-se culpada por esconder algo da mãe, sabia que essa seria apenas uma das muitas mentiras que contaria a seguir.
Porque não, não ficaria longe deles.
Só quando finalmente foi liberada para subir para seu quarto que ela percebeu que havia sangue de Benjamin em suas roupas, que nem seus pais tinham reparado.
Definitivamente, a Lis que saíra de casa naquela tarde não era a mesma que voltara.
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