Nove

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A notícia sobre o que tinha acontecido com Carlos se espalhou rapidamente pela escola. Uns diziam que o rosto dele tinha ficado parecido com um monte de carne moída amassada, outros citavam um braço quebrado e ainda por cima tinha o boato de uma ameaça de morte.

- Ben?

Os dois estavam sentados em um antigo balanço que ficava no jardim da casa de Lis, onde ela costumava brincar quando criança. Tinham acabado de saber o acontecido com Carlos e, agora, Lis se balançava pensativa enquanto Benjamin esperava o que ela tinha a dizer.

- Você teve algo a ver com isso? – Ela finalmente perguntou e o encarou quando a resposta demorou para vir. O sorriso enviesado que estampava o rosto de Ben dizia muito mais que qualquer palavra. - Ben!

- O que foi, Lis? Não é como se ele valesse grandes coisas... – A fala de Benjamin era indiferente, não havia nenhum sinal de que ele se importasse.

A garota não sabia exatamente o que pensar e fixou seus olhos em sua casa, sem poder encara-lo. Ben havia mesmo feito isso?

- Ei... Olhe aqui. – Ele a chamou e quando ela não o fez, ele se levantou do próprio balanço para se postar à frente dela, agachando-se até ficar na altura dos seus olhos. – Não foi à toa, ok? E não foi só pelo o que ele fez com você, apesar de só aquilo já ser um bom motivo. Depois do que aconteceu eu andei investigando aqui e ali, descobri que ele fez isso com outras meninas que não falaram nada por medo. São motivos suficientes para que ele não fique mais entre nós.

- Ben... Nós devíamos ter falado com o diretor, ou até com os pais dele... – Lis esfregava os olhos sem acreditar em tudo que estava ouvindo. Não queria um amigo que punisse as pessoas com os próprios punhos dessa forma.

- Quem iria ouvir a gente, Lis? – Ele questionou, com a raiva brilhando em seus olhos.

- Não sei, Ben, mas era o certo a ser feito. As coisas não funcionam assim, pelo amor de Deus!

- No meu mundo funcionam. – Ben afirmou ao levantar-se.

- Você está me excluindo dele... – A voz dela era baixa e tudo que ela conseguia ver era o abismo que se formava entre eles de repente. Lis encarava a grama aos seus pés, ouvindo Benjamin suspirar.

- Não, Lis, eu estou deixando-o aberto para que você entre... – A resposta dele a surpreendeu. Talvez os dois lados do abismo já começassem a se mover para uma nova aproximação.

- Como você...

- Não insista nesse assunto, Elisabete. Eu não vou dizer mais nada além do que já contei. Você não precisa saber. – Ela o conhecia o suficiente para saber que insistir não levaria a nada, então apenas assentiu.

- Você pode ir embora agora? – Pediu, mesmo sabendo que isso o magoaria.

- Lis...

- Por favor, Ben.

Com um último olhar para ela, Benjamin deixou o jardim, pensando pela primeira vez que talvez seus atos impulsivos tivessem custado mais do que ele previra.



Não demorou mais que três dias para que Lis se pegasse indo até o ferro velho. Haro a viu assim que chegou e abriu o portão para que a menina entrasse.

Ao contrário do que sempre fazia, ela não foi atrás de Benjamin, mas, sentou-se próximo de onde Haro trabalhava, brincando com um dos cachorros que estavam por ali. Precisava conversar com alguém que também conhecesse Ben, para entender melhor os pensamentos que rondavam sua mente.

- Ele não vai mudar, Lis. – O homem disse, enquanto pegava um banco para sentar-se de frente para ela.

- Eu sei. Finalmente eu sei. – Ela respondeu, cabisbaixa.

- As marcas estão gravadas muito profundamente nele. Causadas pelos abusos físicos desde que ele consegue se lembrar e, provavelmente, até antes disso.

Haroldo parecia perder-se em seus próprios pensamentos enquanto falava, atraindo a atenção de Lis.

- Você acha que isso vai piorar, Haro?

O homem deu de ombros, ao que respondeu:

- O senso de justiça que ele tem é diferente do nosso. A vida o fez assim. Não demorou muito para que eu percebesse que por mais que eu fizesse, nunca tiraria isso dele. Essa queda por violência e o desprezo por vidas que ele acha que não valem a pena... Faz parte do que ele é, mas não posso te dizer sobre o futuro, Elisabete. Isso somente Benjamin poderia nos mostrar.

A menina olhava fixamente à frente, ouvindo o que Haro tinha para dizer. Sabia que era verdade, Ben não era igual a todos e o futuro não podia ser previsto.

- Confesso que me surpreendi quando ele deixou você se aproximar, mesmo que tenha sido necessário que eu forçasse a barra no início. E essa casa está um inferno desde que você o mandou embora... Não sei nem como estou aguentando, ele está extremamente azedo todos esses dias.

Haroldo sorriu e Lis não conseguiu fazer qualquer outra coisa que não fosse acompanha-lo.

- Enfim, ele não é uma pessoa má, Elisabete, mas, também não é bom. Entenderei qualquer decisão que você tome, mesmo que talvez eu tente afoga-lo caso você o abandone de vez, porque não vou aguentar tanto mau humor. Mas, tirando isso, acho que ficaremos bem...

Ainda sorrindo ao dizer isso, Haro se levantou e, acenou para Lis, saindo pelo portão e deixando-a sozinha para tomar a melhor decisão.

Ela não demorou muito tempo considerando, sabia o que tinha que fazer e qualquer outra alternativa seria uma traição contra o que acreditava.

Levantou-se, decidida, e adentou à casa.

Encontrou Benjamin revirando uma gaveta de roupas, com cabelos bagunçados e parecendo irritado.

- Haro! Eu não estou achando minha camiseta azul! – A voz era alta, como se esperasse que Haro ouvisse lá do quintal. – Onde está essa porcaria? HARO! Cacete, onde você se meteu?

Ben se virou de supetão ao ouvir a risada de Lis, que se divertia ao presenciar como ele estava muito mais insuportável do que já era.

- Ah... Oi, Lis.

- Oi...

Ela ainda sorria e viu apreensão passar pelos olhos dele, que aguardava qual reação ela teria com tudo que tinha acontecido entre eles.

- Podemos brincar de mímica?

A fala dela, lembrando de quando eles eram crianças e iniciaram a amizade, era tudo que ele precisava ouvir para que um peso enorme saísse de suas costas.

Eles estavam de volta.

Eles estavam de volta

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Cartas entre nósOnde histórias criam vida. Descubra agora