Assim que abriu os olhos no dia seguinte, Lis observou, resmungando, que continuava chovendo.
Mesmo assim, pela primeira vez nos últimos dois anos, sentia-se livre. Não sabia como tinha conseguido levar o relacionamento com Rafael por tanto tempo. Ele era tão diferente dela que chegava a doer, mas agora parecia que um peso tinha saído de suas costas.
Poderia, finalmente, voltar a ser ela mesmo, ainda que fosse com suas brincadeiras infantis.
Arrastou-se para o chuveiro, vendo que já eram 6 horas da manhã. Precisava se apressar para que tivesse tempo de fazer tudo o que precisava. O caso Flor de Copas ainda estava presente, incomodando sua mente. Conversaria com Flávio, o investigador que estava junto com ela nos casos dos cassinos. Talvez ele pudesse ajudá-la a entender se estava imaginando coisas ou se tinha algum sentido naquela ideia que a perturbava.
Mas, antes de qualquer coisa, tinha algo que ela precisava fazer. Algo que repetia todos os anos nessa mesma data, no dia em que Benjamin se fora.
Lis estacionou seu carro e desceu, atrapalhando-se entre fechar a porta, segurar o guarda-chuva e carregar os bolinhos de chuva que tinha comprado.
- Droga de chuva maldita. – Resmungou.
Para sua sorte, Haro tinha ouvido seu carro e já abria o portão para que ela não precisasse ficar esperando, o que evitou que ela ficasse parecendo ter acabado de sair de uma piscina.
- Entre, Elisabete, vamos. Essa chuva vai acabar te deixando doente.
Quase todos os anos, nesse dia, nos últimos dez anos, choveu exatamente como acontecia agora. Todas as vezes Haro se preocupava com a possibilidade de Lis ficar doente por pegar uma garoa.
A preocupação sempre a fazia sorrir, mesmo que estivesse com raiva pelo guarda-chuva que não a obedecia, como agora.
Haro esperou que ela passasse para fechar o portão e seguir, mancando, atrás dela. A fratura em sua perna tinha causado essa sequela, ele nunca mais deixou de mancar desde aquele dia.
- Como você está, Haro? – Lis perguntou, enquanto o abraçava.
- Estou bem, minha filha, e você? Quanto tempo não aparecia por aqui.
- Estou bem também. Tempos difíceis no trabalho.
- Eu sei, encontrei sua mãe um dia desses e ela me contou que você apareceria na televisão por causa de mais um caso de cassino ilegal, é verdade?
- Infelizmente, é... – Lis sorriu, tristemente. Odiava aparecer na televisão, principalmente para responder as inúmeras perguntas dos jornalistas. Tinha sorte que dessa vez Flávio tinha tomado à frente e Lis ficaria apenas de apoio.
Sempre que podia ela visitava seus pais e Haro. Todos continuavam morando nas mesmas casas, perto do Pracinha, menos ela, que preferiu mudar-se para o centro da cidade. Em partes pelo trabalho, em partes pela segurança dos seus pais, ao evitar morar com uma policial e em partes, também, pelas lembranças.
Era dolorido. No começo, achou que o tempo se encarregaria de cicatrizar suas feridas. Demorou alguns anos para perceber que não, nunca seria cicatrizado.
Sabia que Haro passava pela mesma dor, por anos tinha criado Benjamin como um filho e não ter mais notícias dele era como uma faca permanente no coração dele, assim como no dela. Por isso, religiosamente, ela dava um jeito de ficar ao menos um pouco com Haroldo nesse dia.
Era o máximo que eles podiam fazer por Benjamin, quase como se fosse um tributo. No início eles buscaram formas de encontra-lo e esperavam algum contato. Mas, o tempo foi passando, e então começaram a apenas conversar e tentar distrair a tristeza que os consumia.
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Cartas entre nós
RomansaElisabete era só uma criança quando salvou Benjamin de algo que ninguém tão jovem deveria passar. Os dois tornaram-se inseparáveis, contrariando o que todos em sua volta acreditavam. Anos depois os fantasmas do passado voltam a assombra-los e colo...