Vinte e nove

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Sentindo-se melhor, Lis pediu a Haro para que a ajudasse a caminhar um pouco e os dois foram para os fundos da clínica, onde tinha uma espécie de área de descanso para os funcionários, com bancos e um antigo rádio. Era um local para um momento de descontração após um atendimento difícil, ou apenas para passarem o tempo durante um plantão.

Lis sentou-se em um dos bancos, fechando os olhos e deixando o tímido raio de sol da manhã cair sobre ela. Percebeu que Haro havia sentado próximo a ela e não podia mais postergar essa conversa. Benjamin tinha saído transtornado após o que contou para ele. Ainda que se preocupasse com as atitudes dele, achou melhor assim, não gostaria de vê-lo atrapalhando esse momento.

- Quando eu fui levada até Augusto – ela começou – ele veio até mim, antes da chegada de Benjamin... E me contou algumas coisas.

Abrindo os olhos ela voltou-se para Haro, que ainda parecia impassível.

- Você não tem nada para me contar também?

- Não sei do que você está falando, Lis.

- Augusto me contou tudo, Haro. Ele jogou na minha cara que conhecia o seu passado, que você era responsável por Benjamin não ser igual a ele. Acho que está na hora de saber a sua versão.

Lis omitiu algumas partes da fala de Augusto, como quando ele disse que Ben era frouxo igual a Haro.

Suspirando, o homem apertou os olhos por alguns instantes. Não adiantava mais fugir, Lis descobriria tudo uma hora ou outra, então era melhor que soubesse por ele. Essa história nunca ficaria enterrada para sempre, sabia que mais cedo ou mais tarde Augusto apareceria para conta-la e relembrar seu passado pouco correto.

- Benjamin sabe?

- Ainda não.

Soltando o ar mais uma vez, ele ainda demorou alguns segundos, encarando o vazio à sua frente, antes de começar. Era visível que memórias dolorosas estavam vindo à tona.

- Muito bem. Tudo começou antes de vocês nascerem, quando ainda éramos jovens... Augusto e eu éramos melhores amigos.



Haroldo corria atrás de Augusto pelas ruas, sendo perseguidos de perto pelo Seu Dodô, dono da venda onde eles tinham acabado de roubar uma barra de chocolate.

- Corre, Haro! Por aqui! – Augusto chamou, ao adentrar uma garagem.

- Droga, ele vai nos pegar, Guto!

- Não vai, não!

Mas, Seu Dodô os achou. Haro já se preparava para explicar e pedir desculpas, quando Augusto, inesperadamente, atingiu o senhor na cabeça com um pedaço da madeira.

O barulho da arma contra o crânio do homem idoso fez Haro ficar estático por alguns instantes, sem entender exatamente o que estava vendo.

- O que você fez? – Haro perguntou, por fim, sentindo o pânico tomar conta dele.

- Salvei a gente. Vamos, vamos sair daqui.

Haro não soube explicar o que aconteceu depois disso, mas eles nunca foram denunciados. Seu Dodô voltou para sua venda, como se nada tivesse acontecido, apenas o pequeno curativo os denunciavam.

Talvez, esse tivesse sido o momento que a amizade dos dois deveria ter sofrido uma ruptura. Não era o primeiro indício de violência e falta de equilíbrio de Augusto. Mas, não foi assim que aconteceu.

Eles continuaram amigos e os pequenos delitos de Augusto foram crescendo cada vez mais, com a ajuda de Haro, que não conseguia se desfazer da amizade e acaba tirando certos benefícios da mesma.

Cartas entre nósOnde histórias criam vida. Descubra agora