Vinte e um

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Benjamin ficou estático enquanto encarava Elisabete e, pela primeira vez em dez anos, sentiu-se nervoso. Como ela o havia encontrado e, principalmente, o que ela queria ali? Tinham se separado há poucas horas e os dois fizeram um verdadeiro jogo de frieza, porque ela o tinha procurado novamente?

Os poucos segundos que demoraram para que se movessem pareceram uma eternidade. Ele olhou em volta, sentindo-se um adolescente em preocupar-se com a arrumação do seu quarto, mas lembrou-se que tinha tão poucos objetos pessoais que nem sequer podiam ficar bagunçados. Quando foi que voltou a ser um menino ansioso?

- Que tal ser educado e me convidar para entrar? – Lis disse de forma petulante.

Com uma mesura, sinalizou para que ela entrasse e observou como os olhos analíticos dela correram todo o apartamento em apenas um segundo. Benjamin se perguntava o que ela procurava encontrar ao fazer essa busca silenciosa. Corpos jogados pelo chão? Drogas empilhadas nos cantos?

O silêncio era perturbador. Mais para Benjamin, que já esperava ouvir as sirenes da polícia a qualquer instante, vindo a toda velocidade para prendê-lo por anos a fio.

- Achei que você tivesse me dito para sumir. – Ele quebrou a quietude. Precisava saber o que ela estava fazendo ali e o velho Ben, que era impaciente, começava a atormenta-lo, não permitindo que mantivesse uma serenidade.

Lis voltou-se para ele e agora, diferente do encontro anterior, talvez houvesse um pouco de raiva e mágoa em seus olhos.

- Sim, estar com você e não o prender traria complicações para o meu trabalho.

- Mas, você está aqui... – O medo de que ela tivesse se arrependido e agora tivesse vindo finalmente leva-lo para a cadeia o assombrou um pouco.

- Porque já aconteceu o pior. Você já atrapalhou tudo para mim, Benjamin.

- O que você quer, Lis? Como me achou aqui?

- Você não estava se escondendo, não é mesmo? – Ela mostrou o celular para ele, balançando-o à sua frente. – Seu número de telefone. Nós podemos fazer milagres com apenas um número, acredite.

- Droga... – Ele suspirou. Tinha sido um idiota e, talvez, esse resultado era o que ele verdadeiramente desejava. Ser encontrado por ela. – E o que quer, Elisabete?

- Você não me respondeu. O que aconteceu, Benjamin? O que aconteceu nesses dez anos? Você faz ideia de como eu e Haro ficamos preocupados?

- Haro está vivo? – Dessa vez não houve forma de esconder o que sentia através da ânsia em saber o que tinha, de fato, acontecido com Haroldo.

- Sim. Por pouco e mancando, mas sim.

Uma dor percorreu Benjamin, fazendo-o se arrepender mais uma vez de ter procurado Elisabete. Já tinha neutralizado e empurrado para bem longe as coisas que o feriam, mas agora tudo estava de volta com toda a força de algo empurrado para debaixo do tapete, que mais cedo ou mais tarde está fadado a vir à tona.

- Você quer saber o que aconteceu? – Ele perguntou, passando por ela e sentando-se no sofá.

Lis ficou mais uma vez em silêncio e, sentando-se à frente dele, aguardou. Já tinha perguntado duas vezes, estava mais do que claro que ela queria saber.

Benjamin, então, contou tudo. Desde a parte que ela já sabia através de Haro, até todos os anos que passou com seu pai. Contou sobre o Flor de Copas, mas omitiu detalhes, principalmente os que o incriminavam totalmente. Viu os olhos de Lis estreitarem e sabia que ela já tinha deduzido qualquer coisa que ele tentava esconder. Quase podia visualizar o cérebro dela ligando peça por peça, como em um quebra-cabeça.

A história de Benjamin mexia mais com Lis do que ela gostaria de admitir. Sentia raiva de si mesma por não ter podido fazer nada e tristeza por terem sido separados dessa forma. Ainda mais que tudo girava em torno da necessidade de protege-la e ela já estava farta dessa história.

- Por que você não nos deu pelo menos um sinal de que estava vivo? Uma maldita ligação bastava!

Ela sabia que estava sendo egoísta, jogando para ele toda a dor e frustração que sentiu nesses anos todos, tudo com o que ela não conseguia lidar. Levantando-se, se dirigiu até a bancada da cozinha do apartamento, que nada mais era que uma minúscula pia, um cooktop tão pequeno quanto e uma geladeira. Segurou-se na peça de mármore, desejando ter foça suficiente para arranca-la.

- Talvez porque eu não queria que você morresse? – A voz de Benjamin não era tão furiosa quanto a de Lis, mas ele se sentia, talvez, ainda mais irritado do que ela. Tinha feito tudo o que podia, ido além dos seus limites, como ela ousava falar que ele estava errado?

- Foda-se, Benjamin! Foda-se tudo isso! Você não sabe como foi! Todos os dias sem saber se você estava vivo ou não...

Esfregando os olhos e sentindo-se subitamente cansado, Benjamin levantou-se e foi até Lis.

- Sabe a única coisa que me manteve de pé, Elisabete? A única? – Sua voz não era alta, mas toda a dor estava expressa ali. – Todos os dias eu acordava e conseguia chegar até o fim do dia porque sabia que você estava viva. Então, não venha me dizer se o que eu fiz estava certo ou errado!

Quando Lis se virou para ele foi a primeira vez que ele viu em seu rosto um pouco de emoção além de toda raiva e tristeza que ela guardava.

- Todos os dias, incansavelmente, eu só pensava em encontrar você. Vivo ou morto. Eu só queria saber como você estava.

Ben logo descobriu que era ainda mais difícil ver Lis assim, sofrendo, do que desprovida de emoções.

- E, agora, quando encontrei você... Você é meu inimigo, Benjamin!

- Olha, não vou dizer que estamos do mesmo lado... – Ele sorriu sarcasticamente ao responder, fazendo-a sorrir também, involuntariamente. – Mas, eu nunca vou ser seu inimigo, Lis.

Mais uma vez estavam naquela situação, como há dez anos, quando muitas coisas estavam sendo ditas além das palavras. E, novamente, Ben se perguntava se estava entendendo direito o que estava acontecendo entre os dois. Dessa vez, não perderia uma amiga, mas sim, a vida. Porque era bem capaz de Lis atirar contra ele caso fizesse algo que ela não gostasse.

Os dois se encaravam e o tempo parecia ter parado. Nada poderia ser capaz de quebrar o contato entre eles agora. Exceto, talvez, a campainha, que anunciava a chegada da pizza.

 Exceto, talvez, a campainha, que anunciava a chegada da pizza

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