Elisabete era só uma criança quando salvou Benjamin de algo que ninguém tão jovem deveria passar.
Os dois tornaram-se inseparáveis, contrariando o que todos em sua volta acreditavam.
Anos depois os fantasmas do passado voltam a assombra-los e colo...
Satisfeita por Flávio concordar com sua ideia, Lis voltou para sua sala. Pelo menos se estivesse imaginando coisas, não estava sozinha nisso.
Assim que a imprensa noticiou que as investigações sobre o caso Flor de Copas continuavam a todo vapor, mensagens de Rafael chegaram ao celular de Lis. Ele estava indignado por ela ter levado a ideia para frente em um caso ganho.
Sorrindo e ainda mais convencida da decisão que tinha tomado ao terminar seu relacionamento, Lis ignorou as mensagens. Já tinha dado atenção demais para ele, muito além do necessário.
A tela de seu celular acendeu com a chegada de mais uma mensagem. Lis já estava pronta para bloqueá-lo logo de uma vez quando seus olhos se estreitaram ao ler o conteúdo.
- Lis, você precisa vir comigo até o aeroporto. – Flávio a chamava, parado na porta da sala dela, mas não tinha conseguido sua atenção. Lis levantou os olhos do celular, mas apenas para encarar a janela. – Temos algo que pode ser grande acontecendo lá e pediram reforços.
Ela continuava sem responder e olhava o céu lá fora. Tinha parado de chover e o que parecia um tímido raio de sol começava a aparecer entre as nuvens. Algumas peças começavam a se encaixar no quebra-cabeça.
- Lis? Tudo bem?
Com a pergunta, a voz de Flávio agiu como um estalo e Lis voltou a foca-lo, como se despertasse de repente de um sonho e tivesse que esperar seus pensamentos voltarem para o tempo real.
- Claro... Aeroporto? Quando iremos?
- Agora. – Flávio ainda olhava desconfiado para ela, mas decidiu deixar para lá por enquanto. - Te encontro na garagem em cinco minutos.
Rafael continuava mandando mensagens insistentes para Lis. Agora, não só sobre o caso, mas também pedindo por mais uma conversa sobre o relacionamento deles, para horror de Elisabete, que odiava misturar assuntos pessoais com trabalho. Principalmente quando ela já estava de saco cheio do assunto pessoal em questão.
"Nos falamos depois, ok?" – Ela enviou para ele, enquanto Flávio dirigia ao seu lado, a caminho do aeroporto.
"Podemos nos ver?" – Mais insistência, o que fez Lis rolar os olhos irritada.
"Eu ligo para você a noite."
- Problemas? – Flávio perguntou, ao ver que ela suspirava.
- Homens...
- É, nós somos insuportáveis mesmo. – O parceiro de Lis sorriu ao dizer, percebendo que ela não estava em um dia muito bom e tentando deixa-la mais calma.
- Você também é assim? – Lis perguntou, incrédula.
- Insistente? – Flávio se divertia em pensar como que Lis, uma mulher tão forte em seu trabalho, poderia ter problemas com homens. Só conseguia imaginar ela chutando a bunda deles. Provavelmente era o que ela fazia nas horas vagas.
- Chato. Insuportável. Fora da casinha.
- Talvez. – Ele deu de ombros. – Você devia perguntar isso para a Marina.
- Coitada dela...
- Acho que ela já está acostumada depois de tantos anos de casado. Se até agora ela não me colocou para fora, talvez não faça mais.
- Nunca diga nunca. – Finalmente Elisabete sorriu, voltando a parecer a mesma investigadora sagaz de antes.
- Ei! Não amaldiçoe meu casamento!
- Estou tentando salvar a Marina. Gosto dela... – O comentário arrancou uma risada dos dois, que já adentravam à garagem do aeroporto.
Ainda que estivesse atenta outra vez, havia algo incomodando Lis, algo que ela resolveria assim que terminasse seu dia de trabalho. Se perdesse o foco agora, não sabia quando poderia recupera-lo.
Ela sabia que estava sendo imprudente. Isso ninguém poderia negar, nem ela mesmo.
Estava traindo tudo aquilo em que acreditava em seus anos como investigadora. Mas, todos tinham um ponto fraco, e ela não era exceção.
Um arrepio passou por ela quando adentrou ao Pracinha. Depois que terminou o ensino médio nunca mais tinha entrado ali.
O cheiro ainda é o mesmo que ela conseguia se lembrar e a torrente de lembranças quase a derruba. Doce e fritura misturados, formando uma combinação surpreendentemente deliciosa.
Lis fechou os olhos por alguns instantes, imaginando estar de volta 10, 12 anos atrás. Quando tudo que a preocupava era se tinha estudado o suficiente para a prova.
Dirigiu-se para onde todos estavam indo. O jogo final. Mais uma vez o Pracinha chegava às finais do campeonato e, coincidentemente, ela seria no mesmo dia da final de Lis, 10 anos antes. Porém, dessa vez seria feita a noite.
Algumas pessoas olhavam de forma estranha para ela, como se ela não se encaixasse ali. Elisabete se perguntava se algo em suas roupas ou na sua postura denunciava que ela não era a mãe de aluno algum e estava totalmente fora de seu habitat natural.
Pegou-se fazendo uma mania que tinha, ao pressionar o braço junto ao corpo e sentir que sua arma estava ali, o que a deixava mais segura. Fazia isso repetidas vezes, como se ela pudesse desaparecer a qualquer segundo.
Chegando ao ginásio, escolheu uma das últimas filas de cadeiras, isolada da maioria das pessoas, que preferiam sentar-se mais próximas da quadra.
Seus olhos estavam fixos no aquecimento das jogadoras lá embaixo e quem olhasse de fora até diria que ela estava prestando atenção, mas sua cabeça estava longe dali e sua mão estava pronta para alcançar a arma, caso fosse necessário.
Ela nem piscou quando ouviu passos se aproximarem. Sutis, quase totalmente silenciosos, mas não para os ouvidos treinados de Lis. Foi mais difícil controlar-se quando ouviu sua voz e talvez, naquele instante, tivesse deixado transparecer algo para quem estivesse olhando com atenção, mas não havia ninguém.
- Você ainda joga? – Benjamin perguntou, ao sentar-se ao seu lado.
Uma outra Lis já estaria derramando lágrimas, mas a de agora era diferente. A voz dele ainda era a mesma da qual ela se lembrava, talvez mais rouca e mais fria. Dura. Sim, a voz dele era fria e dura como aço. Ainda que fosse uma pergunta pessoal, não era possível identificar nenhum traço de emoção ali.
- Não. – Lis respondeu, da mesma forma.
- É uma pena, você jogava bem.
Elisabete deixou que um sorriso irônico escapasse, mas ainda mantinha os olhos fixos na quadra a sua frente, ainda que nada estivesse enxergando.
- A que devo a honra? – A voz de Lis era desprovida de emoções, como se estivesse apenas perguntando o valor de uma fruta na barraca da feira. Não, era menos que isso. Na feira ela ainda sorria.
Benjamin demorou para responder, como se considerasse as melhores palavras. E, quando finalmente falou, percebeu que não tinha uma melhor maneira de dizer aquilo:
- Eu preciso matar você.
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