Benjamin
Deito as cartas sobre a mesa e, coincidentemente, há um ás de copas entre elas, onde meus olhos fixam-se por alguns instantes. Rapidamente lembranças do que aconteceu meses atrás tomam conta de mim antes que eu pudesse fazer qualquer coisa para impedi-las.
O dia em que soube que Lis encabeçava a investigação e foi me dada a tarefa de matá-la ainda me causa a mesma sensação gelada e distante de antes. Como poderia?
Distraio-me, rindo de quando ela pensou que eu poderia ser o ás do caso Flor de Copas, a carta mais importante daquele jogo que fomos inseridos.
Não, eu nunca tive essa importância. Na verdade, eu era a carta mais facilmente descartável.
Acho que Lis não sabia, mas, para mim, a carta mais importante era ela. Sempre foi ela.
Lis era meu ás. Era a luz que guiava meus dias escuros. Ela era as cores que coloriam meu lado cinzento e tirava de mim o melhor que eu podia ser.
Uma risada comemorativa me tira das profundezas dos meus pensamentos. Um dos meus parceiros de jogo tinha ganhado a primeira rodada.
É só a primeira. Apenas a primeira.
Sorrio, tentando parecer um tanto decepcionado. Sei que ganharei no final, só estou dando corda para que eles se entusiasmem e apostem ainda mais.
Depois que me despedi de Lis, parti para um paraíso fiscal, com documentos falsos. Não tinha sido difícil, já que trabalhando para Augusto estávamos preparados para essa possibilidade o tempo todo.
A parte mais pesada não fora recomeçar uma nova vida em um outro lugar, mas sim deixar Lis para trás. Não manter contato, não saber como ela estava, como todos estavam lidando com tudo. Depois de tantos anos, seria finalmente o momento de assumir Haro como meu pai e iniciar uma vida sossegada ao lado de Elisabete, mas tudo caiu por terra.
Eu nada podia fazer e isso me consumia. Mas, precisava ter cuidado, era o momento de ficar atento o tempo todo. Bastava um vacilo para que tudo fosse perdido.
Já estava me arriscando demais.
As cartas são distribuídas novamente e pretendo terminar o mais rápido possível para voltar ao meu quarto. As memórias tornaram-se sufocantes demais para que eu interprete o meu papel de jogador sortudo por muito mais tempo.
Mas, de repente o tempo parece parar à minha volta e eu já não sei como respirar. Se eu tinha feito algum plano, ele vai todo por água abaixo quando a vejo adentrar o salão.
Involuntariamente, sendo ela a dona dos meus sentimentos, eu sorrio. Meus colegas com certeza vão interpretar como um blefe ao invés de perceberem que eu tinha perdido meu chão e despencava, sem saber onde seria meu fim.
Mesmo sem olhar diretamente para ela, vejo-a se aproximar, usando o mesmo vestido vermelho do dia em que nos separamos. Formidável.
Ouço sua voz pedindo uma bebida no bar mais próximo à nossa mesa. Quase posso ver meu coração bater sobre minha camisa, reagindo ao som que identifica como sendo sua dona.
A presença marcante causa a distração necessária em meus parceiros para tornar meu jogo muito mais fácil. Eu nunca antes quis tanto terminar uma partida.
Sei que ela sabe que estou aqui, da mesma forma que já sabe que eu a notei. Nós estávamos travando um jogo particular, que me deixava a ponto de jogar todas as cartas para o chão e toma-la ali mesmo.
Eu poderia enfrentar muitas coisas sem ao menos demonstrar um tremor sequer, mas não era páreo para ela.
Tentando focar em meu jogo, uso as cartas certas e consigo encerrar a partida muito antes do esperado. Sinto os olhos dela sobre mim e, ao erguer a cabeça, a encaro pela primeira vez. Ela sorri enquanto bebe um gole de sua bebida de uma cor escura, e é como se toda uma descarga elétrica passasse pelo meu corpo. Eu continuava caindo. Solto. Em queda livre.
Isso era resultado de uma ação imprudente, eu sabia. Enviei, anonimamente, a minha localização para Madá, confiante de que ela saberia o que fazer. E ela claramente soube.
Levanto-me da mesa, sob protestos dos meus companheiros. Em retribuição aos seus apelos para que eu ficasse, deixo para que dividam as fichas que ganhei. Definitivamente, não preciso delas e é tudo que menos importa agora.
Com esforço, ignoro mais uma vez a presença dela, sabendo que isso a provocará ainda mais. E, também, porque se eu me render agora não poderei parar.
- Pode enviar uma dessa para o quarto 147, por favor? – Peço, ao seu lado, para o barman, apontando para uma garrafa de vinho atrás dele. Minha camisa subiu o suficiente para que o laço dela ficasse visível em meu pulso. Eu sabia que nada escapava dos seus olhos.
- Claro, senhor.
Agradecendo, dou as costas a ela e me dirijo para o meu quarto.
Conto os segundos até que ouço batidas na porta. Sei que é ela antes mesmo de abri-la, como se pudesse perceber sua energia através da parede que nos separa. Eu diria até que podia sentia-la há quilômetros de distância.
Mais uma vez nos encaramos à soleira da porta. Lis e eu. Como no dia em que ela foi ao hotel em que eu morava.
Sorrio brevemente antes de puxa-la para mim. Não posso resistir mais, é mais forte do que eu. Todo o tempo em que ficamos separado parece ser parte de um pesadelo distante agora.
As mãos de Lis se agarram a mim com a mesma paixão violenta e desesperada que eu também sinto.
Não me importo se tiver que passar a vida escondido sob nova identidade. Se nunca mais puder voltar para a minha vida de antes. Aliás, não existe antes.
Posso suportar qualquer coisa, desde que tenha Lis comigo. Nunca mais serei completo se não a tiver em meus braços.
Continuo caindo em uma imensidão de sentimentos sem fim. Estou com ela. Estou bem.
Eu a amo. Profundamente.
Fim
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Nota da autora:
Muuuito obrigada a todos que leram até aqui!
Se puderem, por favor, me digam o que acharam!
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Até a próxima!
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Cartas entre nós
RomansaElisabete era só uma criança quando salvou Benjamin de algo que ninguém tão jovem deveria passar. Os dois tornaram-se inseparáveis, contrariando o que todos em sua volta acreditavam. Anos depois os fantasmas do passado voltam a assombra-los e colo...