Lídia

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Lídia estava voltando para casa enquanto conversava com sua filha pelo telefone. A jovem tinha se mudado recentemente e ligava para a mãe com frequência para conversar sobre tudo o que via. Essas conversas se tornaram rotina na vida de Lídia, depois do trabalho já tinha seu celular em mãos, pronta para atender e ouvir como foi o dia de sua filha.

A calçada por onde andava era larga, revestida em tijolos vermelhos claros, era bem movimentada e muitas pessoas passavam por lá. Todas voltando de um dia de trabalho, voltando para casa, ou saindo para se divertir. As ruas eram largas e poucos carros passavam, a maioria antigos e bem conservados. Lídia sentia o metal dos carros passando vibrando contra sua pele, mas ela não tomava os metais para si, o deixava fluir e seguir para onde seus motoristas queriam.

- Boa noite. Vá fazer a sua janta e não se esqueça que tem que ser saudável. - Diz Lídia no telefone.

"Tá bom. Boa noite." - Sua filha se despede.

Ao desligar e prestar atenção no que vinha pela calçada, viu uma figura familiar. O cabelo quase raspado, cor cinza e espirais roxas passando pelo couro cabeludo eram fáceis de reconhecer. Era a irmã mais nova dela, Héstia.

Héstia apenas aponta para uma loja com a cabeça e entra nela em seguida, Lídia continua caminhando até chegar a entrada da loja. Era uma livraria, com livros exibidos na vitrine de vidro sobre uma mesa coberta por um tecido vermelho, o interior era repleto de prateleiras, o balcão já ficava de frente para a porta, a área lembrava um corredor que terminava em um L onde no final tinha mesas para os leitores sentar, lerem ou escolherem qual livro levar.

A irmã caçula de Lídia estava sentada no fundo olhando para as próprias mãos.

Ao se sentar, Héstia olha para ela. Ambas têm os mesmos olhos, estreitos e pretos como ônix, uma das características da família, quem dera fosse só essa. Sua irmã vestia uma camisa fina de gola alta com mangas curtas, uma calça cinza e sapatilhas pretas de verniz, seu casaco de tecido grosso está pendurado na cadeira. Ela estava acabada, Lídia podia ver isso de longe.

- Oi, Titi. - Ela cumprimenta com um sorriso acolhedor.

- Oi, Lídia. - Héstia cumprimenta em um tom frio sem olhar para a irmã.

Tinha alguma coisa estranha ali. Lídia só não sabia dizer o quê. Sua irmã não é assim, nunca foi, nem quando elas ainda moravam juntas.

- Há quanto tempo. Como vão as coisas? - Ela perguntou tentando parecer descontraída. Héstia nunca fala quando tem algo errado, Lídia tinha que preparar o terreno para que a irmã se sentisse segura para dizer o que quer que a esteja incomodando.

A irmã olha para a estante de livros à esquerda das duas, perdida nos pensamentos. Estava mais magra, suas bochechas pareciam murchas e a pele pálida, como se estivesse terrivelmente doente.

- Mamãe está nos procurando. - Ela diz, indo direto ao ponto.

Foi mais rápido do que Lídia esperava, na verdade, estava muito além do que ela imaginava. Pensou que Héstia tinha se metido em alguma encrenca ou que seu namorado e sua namorada descobriram um sobre o outro e ela não sabia se largava os dois ou escolhia entre um deles. O que Héstia disse era ainda mais assustador do que os relacionamentos amorosos dela.

- Como? - Lídia pergunta pensando que ouviu errado.

- Ela veio falar comigo. Tem alguns dias. - Héstia conta esfregando as mãos devagar, não estava usando anéis, só uma pulseira de correntes pretas em cada pulso.

Lídia não acredita, sua irmã sempre gostou de pregar peças, talvez seja isso. Talvez tenha perdido a noção e começado a fazer piadas de muito, muito mal gosto.

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