A surpresa

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O alarme tocou 5 horas da manhã como todo dia. Harry resmungou procurando o celular na mesa de cabeceira para parar aquele barulho estridente sem conseguir abrir os olhos ainda. Não que fosse mudar muita coisa, já que estava completamente escuro do lado de fora ainda. Ótimo.

Desligou o despertador antes que tivesse a chance de apertar a opção de soneca. Nunca dava certo quando ele pedia mais 5 minutos de sono para o celular. E não é como se ele não estivesse acostumado também. Acordava antes do sol nascer desde que decidiu que as duas horas de aula de ballet diárias não eram o suficiente e treinava antes de ir para a escola. Isso quando ele tinha 9 anos.

Mesmo assim, as vezes ele não queria levantar da cama. Naquela manhã de terça feira, fria e chuvosa, principalmente. Reclamou mais uma vez e se obrigou a sentar na pontinha da cama. Ele tinha que ir pro ensaio.

Foi para o banheiro bagunçando os cachinhos que caíam perto da sua nuca enquanto bocejava meio irritado. Ele sabia que teria que cortar o cabelo para não atrapalhar a apresentação. Conseguia ouvir a voz do coreógrafo perfeitamente repetindo o mantra "isso aqui é ballet e não dança de rua". Que diferença faz uns cachinhos a mais no ballet?

Tentou lembrar mais uma vez o quão privilegiado ele era de conseguir ter entrado na companhia que ele sempre quis: Royal Ballet em Londres, sua segunda cidade favorita na Inglaterra. Às vezes era difícil focar nisso quando a água do banho gelado batia contra a pele dele. Sugestão do instrutor, porque aparentemente Harry estava disperso demais naquela semana. E era só terça feira.

O pior é que Harry sabia que o instrutor estava certo. Ele realmente não estava concentrado como deveria e nem sabia o motivo. Nada tinha acontecido para justificar todas as vezes que ele errou o mesmo salto no ensaio do dia anterior. Talvez o banho frio e um copo grande de café realmente fossem ajudar.

Era até engraçado ver como ele se vestia para sair de casa depois de um banho congelante, já que do lado de fora o inverno britânico estava castigando naquele ano. Essa manhã ele tinha colocado três camadas de blusas e ainda se questionou se deveria ter colocado mais no momento em que abriu a porta do seu prédio e pisou na calçada.

Harry morava muito perto de uma estação de metrô e ele nunca precisava de carro, porque o transporte público era muito efetivo. Mas naquela manhã que nada parecia certo, ele desejou ter ouvido sua mãe e ter comprado um carro para pelo menos não congelar a ponta do nariz até chegar ao ensaio.

Assim que sentou no vagão do metrô, plugou o fone de ouvido no seu celular e colocou sua playlist de músicas que gostava secretamente lotada de Lana Del Rey e outras faixas que ele achava que não combinavam com sua tentativa de parecer um badboy o tempo inteiro. Lá no fundo ele sabia que não passava de uma manteiga derretida, mas ninguém precisava saber disso.

A música nos fones de ouvido só parou quando ele chegou na tão conhecida sala cheia de espelhos. Ele acendeu as luzes, porque era o primeiro a chegar quase sempre e tirou todas as camadas de blusas ficando apenas com a roupa de treino. Deu play no aparelho de som que tinha no canto da sala e tentou se concentrar nos passos para se aquecer antes que o resto das pessoas começassem a chegar.

— Tô vendo que alguém seguiu a minha recomendação do banho frio— Harry ouviu a voz do instrutor do outro lado da sala no momento em que concluiu a sequência de passos com a perfeição que estava tentando atingir no dia anterior.

John era um dos instrutores e coreógrafos desde o dia que se aposentou de sua extensa carreira como dançarino principal da academia. Todo mundo queria ter o sucesso que ele teve nos seus anos de ouro, inclusive Harry que já perdia um pouco a esperança de ser alguma coisa a mais do que o primeiro solista. John também era muito admirado pela sua beleza, já que estava na faixa dos 50 anos, mas ainda tinha o porte físico de um bailarino de 20 e tantos anos. Sem contar que os cabelos grisalhos e os olhos verdes não eram nada mal. Não fazia o tipo de Harry, porém ele conseguia entender perfeitamente o que as pessoas diziam.

Let's the voice of love take you higher| L.SOnde histórias criam vida. Descubra agora