𝐶𝑎𝑝𝑖𝑡𝑢𝑙𝑜 𝑡𝑟𝑒̂𝑠

4.2K 281 23
                                    


"Você tem o diabo nos seus olhos, você veio e me pegou de surpresa"
Hippie Sabotage– Devil eyes

Anne

Eu poderia fugir dali se não tivesse entrado num beco que só possuia paredes brancas e objetos sujos.

– Porra! - sussurro baixo revoltada comigo mesma de, mais uma vez, ter posto em prática os conselhos da minha mente fudida. Tento pensar rápido mas qualquer coisa que eu pensasse seria algo inválido pois a única escapatória que eu tinha em mente era a entrada de onde estava vindo o barulho bochornoso que a cada segundo que se passava, a altura atingia o maior tom possível.

Minha mão começou a tremer e aquele sentimento inexplicável começou a dar início mais uma vez, entretanto, com menos intensidade. Fecho os meus olhos precionando-os cada vez mais e desejando que algo acontecesse e me tirasse daquele tormento.

Em meio às minhas orações baixas e ao medo que estava preso dentro de mim, o som da sirene que nos alertava que o Recreio havia acabado tocou incubindo-se de um modo alto e em bom tom para que todos escutassem. Rapidamente os meus olhos se abriram e logo em seguida um sorriso.

Aos poucos os passos que antes estavam chegando cada vez mais perto do lugar que eu estava, foram cessando deixando apenas o barulho estrondoso da sirene. Suspiro aliviada e agradecida pelo que aconteceu, e novamente a sensação de tormento se afastou de mim, me deixando calma, espero mais alguns segundos pra deixar aquele local pra trás e ir direto pra sala e tentar esquecer o que aconteceu.

[...]

Todo aquele barulho, aquela movimentação, aquelas luzes, tudo aquilo me incomodava, eu odiava com todas as minhas forças aquele lugar e toda vez que eu entrava ali, eu só sentia vontade de me afastar daquela área de prostituição e libertinagem.

Tinha nojo de tudo aquilo, mas eu não tinha outra opção a não ser trabalhar naquele inferno que eu tenho a obrigação de chamar de trabalho. Paro por um minuto apoiando meu braço no balcão do bar e abaixando a cabeça, respiro fundo e movimento minha mão até o bolso da calça preta que fazia parte do meu uniforme, pego a cartela com a mesma aparência da que eu usei naquela fuga do Senhor Jack, coloco três comprimidos na boca e faço o mesmo esforço que eu sempre faço ao toma-las para me sentir mais disposta para fazer as coisas.

Fecho meus olhos, dando uma pausa de alguns segundos no trabalho, na intenção de aguardar o remédio fazer algum efeito, o que era quase impossível de ser feito em segundos.

Nesse meio tempo, minha mente navega em tudo o que aconteceu hoje, mas dá uma pausa na cena de Jack e da garota, me recordo de várias e várias vezes em que eu estava andando pelos corretores e via essa mesma menina entrando na sala da oitava série.

Eu nunca imaginaria que ele poderia fazer aquilo com uma garota tão nova que talvez foi mais uma de cem que ele havia iludido, tirando a sua virgindade e largando fora como se fosse lixo.

Em meio a tantos pensamentos envolvendo diversas situações, sou despertada por David, que atrapalha a minha possível pausa, ele dá leves batidinhas nas minhas costas e abre um sorriso alegre.

– Tá tudo bem? - o som da sua voz sai um pouco abafado por conta de todo aquela balbúrdia que circulava pela universalidade do local, mas ainda assim era perceptível pela minha audição, me recomponho e o retribuo com o mesmo sorriso que me dera a segundos atrás, só que não tão verdadeiro quanto o dele.

– Claro que sim, porque não estaria? - falo meio acanhada e logo o som da sua risada invade os meus ouvidos

– Se você tá dizendo, tome aqui - fala estendendo minha mão e me entregando a bandeja preta de plástico, deixando-a equilibrada na palma da minha mão– mesa 17, boa sorte - após os seus dedos mirarem na mesa, ele logo some do meu campo de visão me deixando com a bandeja de formato redondo com algumas bebidas na superfície da região de matéria plástica, bebidas que facilmente eram identificadas por mim, apesar do curto tempo que eu trabalho com esse cargo.

Me direciono até a mesa 17, fazendo o possível pra que não esbarrasse com alguns dançantes da boate e não fizesse um estrago ali no meio do salão. Ao chegar no meu destino, dou um sorriso forçado com os lábios para os homens que estavam sentados nas cadeiras em volta da mesa.

Uns me olhavam com sagacidade, outros apenas continuavam bebendo e uns ficavam viradrados nas putas daquele ambiente que estavam rebolando no seu colo por dinheiro, afasto alguns copos vazios que estavam em cima daquele sustento redondo de mármore preto acrescentando mais algumas taças cheia de bebidas com líquido alcoólico de várias cores.

Olho de relance para a mulher que estava rebolando no colo de um homem que aparentava ter uns 60 anos, a luz da boate e a meia escuridão do local dificultou bastante com que eu avistasse a sua aparência, mas ainda assim pude perceber uma aliança dourada nos seus dedos.

Fico imaginando a esposa desse desgraçado chorando toda noite sabendo que o seu marido está traindo-a. Desconsidero aquele indivíduo e o objeto de ouro no seu dedo que celava um casamento que, na festa e em frente do padre e de todos os convidados, seria uma união fiel e leal.

Me desvio dali e volto para o balcão, coloco a bandeja, que agora não tinha mais nada sobre ela, no seu devido lugar, pego um pano e começo a detergir e absorver o líquido azul que estava derramado sobre a superfície de metal. Logo meus olhos fixam-se num conjunto de adolescentes vindo até onde eu me encontrava, ao chegarem até mim, eles sustentam o seu corpo com os braços apoiados do balcão e me olham. Observo o rosto de cada um e logo os reconheço, todos eles eram da escola onde eu estudava e além disso, todos eram menores de idade.

– Me dê dois litros daquela bebida ali - fala o garoto de cabelos cacheado bagunçados, piercing no septo nasal e um olhar lascivo. Com o dedo indicador, ele aponta para as garrafas de Vodka que estavam alinhadas na vertical assinalando com esse gesto o seu pedido. Direciono meu olhar para onde o seu dedo estava apontando e prontamente olho para ele que também mantinha a sua visão sobre mim.

– Desculpa mas nós não vendemos bebidas para menores de dezoito anos, sinto muito - falo voltando a limpar o líquido que estava sobre a superfície de mármore e ignorando a sua presença e a de seus amigos ali.

– Que? Mas quem disse que nós somos menores de idade? Está aqui - fala e todos os seus acompanhantes, inclusive o próprio garoto, exibe entre seus dedos um papel plastificado que refletia nas luzes da boate, inclino meu olhar para cima e logo reconheço que são carteiras de identidade falsas.

– Essas carteiras de identidade são falsas, eu sei muito bem quem são vocês e sei que a maioria de vocês tem dezesseis ou dezessete anos, então se puderam fazer o favor de se retirar, eu agradeceria - falo e rapidamente uma voz grossa masculina intromete-se na conversa

– O que tá acontecendo aqui? Raphael, cadê a bebida que eu te pedi? - me surpreendo com Jack vindo até o nosso encontro abraçado com uma menina de cabelos loiros e com um sorriso debochado, mal sabia ela que ela era só mais uma nas mãos daquele cretino. Ele não hesita em olhar para o Raphael, apenas mantém sua facínora visão de satisfação em mim.

Como ele sabia que eu trabalhava nesse local?

– Essa garota não quer vender pra gente Jack

– Deixa que com ela eu me resolvo - fala e Rapahel se afasta de onde estava dando espaço para Jack se aproximar de mim e se apoiar no lugar onde Raphael se encontrava apoiado– Qual o problema de você não querer vender a bebida para ele? - a sua voz saí calma e o seu semblante, ainda de satisfação.

My Angel | ⁰¹Onde histórias criam vida. Descubra agora