Despedaçados

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De acordo com a hora, era para o dia estar claro do lado de fora, mas devido as chuvas, o céu de Vanaheim amanheceu escuro. Sigyn permaneceu acordada durante toda a noite enquanto Loki esteve fora. Ela havia repassado o beijo, a discussão e todo aquele sentimento umas mil vezes somente naquela hora e não houve nenhuma vez em que não tivesse chorado bastante.

Assim que o céu clareou um pouco, através da janela, a deusa colocou-se de pé. Seguiu até o banheiro e lavou o rosto. Olhou-se em um espelho emoldurado com detalhes de ouro, e percebeu o estrago que chorar lhe havia feito. Estava quase irreconhecível. Os olhos vermelhos, o rosto inchado e a feição abatida. Estava destruída.

Saiu em direção à sala e olhou em volta. Ainda estava vazia. Sentiu um aperto no coração. Preocupação. Caminhou até a cozinha e preparou o café. Não havia ninguém para fazer aquilo por ela, afinal Frigga não mandou criadas para Vanaheim e nem podia. Ela sabia que mesmo sendo uma princesa, Sigyn havia aprendido todas as prendas de uma casa e por isso não deslocou ninguém para ficar a serviço deles.

Estava presa em seus pensamentos quando ouviu a porta da frente bater. Suspirou aliviada.

Loki estava ensopado porque a chuva estava beirando a torrencial, mas ele não se importou. Procurou a ruiva na casa e a encontrou calada, de braços cruzados, encostada no balcão. Estava tão devastada quanto ele e aquilo nada tinha a ver com terem ficado a noite em claro.

Ela o encarava de uma forma que o fazia querer dar a meia volta e sair outra vez. Não ter que ver o sofrimento nos olhos dela era melhor do que ter sua presença. Sigyn abaixou a cabeça e desencostou-se do balcão, passou por Loki rapidamente e entrou em seu quarto.

O deus entristeceu-se mais ainda. Não queria aquele clima entre eles. Se não tivesse agido por impulso e tentado beijá-la, nada daquilo estaria acontecendo, mas não conseguia mais guardar aquilo, ainda por cima sabendo que não era irmão dela.

No momento em que desabafou, sentiu que um peso havia sido arrancado de suas costas. A melhor coisa que sentiu foi sensação de liberdade ao saber que não era um depravado ou doente. Aquilo era um alivio intenso, mas o preço cobrado foi alto demais, mais alto do que ele podia pagar. Sentou-se, pesadamente, em uma cadeira próxima da porta.

Passou a mão no rosto, fazendo-a chegar até os cabelos molhados. Permaneceu de cabeça baixa e fechou os olhos numa tentativa fracassada de esquecer o que houve, por um minuto apenas. Ao abri-los novamente, a primeira coisa que viu foram os pés de Sigyn, em frente a ele. Ergueu a cabeça o mais rápido que conseguiu e a encarou.

A ruiva trazia uma toalha branca, em suas mãos. Estendeu para ele e deu um passo atrás. Loki nem sequer piscava, encarando-a.

- Se seque. Já vou servir o café. - a voz dela estava baixa e falha. Quase como se ela não sentisse vontade de falar. Seguiu de volta a cozinha e trouxe tudo para a mesa, enquanto Loki trocava de roupa em seu quarto. Quando voltou para a sala, vestia uma roupa simples, sem nada dourado. Apenas o preto e o verde, mesclando-se harmoniosamente. A obra completa de Loki era harmoniosa.

Sigyn havia acabado de colocar os pães na mesa e sentou-se. Usava um vestido de crepe de seda azul, sem mangas, com alguns detalhes em forma de flores, que se estendiam desde o braço direito e seguia até o lado esquerdo de sua cintura, acompanhando o corte transpassado do vestido. Não tocou na comida. Era tradição da família real esperar uns pelos outros e ela não comeria se ele não se sentasse para comer. A não ser que ele dispensasse o café, dessa forma, ela não teria mais obrigação nenhuma de aguardá-lo.

Loki colocou a toalha em lugar ventilado e sentou-se à mesa. Pegou um pedaço de pão e passou para a ruiva.

- Obrigada. - Agradeceu ela e os dois começaram a comer. A meia hora que se seguiu foi a mais silenciosa de suas vidas. Sigyn não tirava os olhos de seu prato e Loki não tirava os olhos dela. Nenhum dos dois fez mais que beliscar a comida e fingir que comiam. - Você lava os pratos ou eu lavo? - Ela rompeu o silêncio.

Sobre Humanos e Deuses | LokiOnde histórias criam vida. Descubra agora