Esperando o fim

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Não me recordo de como cheguei ao Central Park. Estávamos no inverno. A neve se fazia presente. As folhagens das árvores não estavam mais com a coloração verde viva. Estavam secas e levemente amareladas. Deveria estar fazendo mais ou menos uns 4 graus. O vento deixava meu rosto vermelho. Eu usava uma touca que protegia a cabeça e as orelhas, mas o nariz e a boca sempre sofriam muito nessa época. Fui andando devagar prestando atenção na paisagem. Aos 29 anos eu me imaginava completamente diferente. Seria bem sucedida profissionalmente, casada, talvez com filhos. Isso mesmo, no plural. Moraria numa casa confortável, num bom bairro, perto do centro da cidade. Mas, o que eu tinha no momento, era apenas os meus 29 anos. O resto, não passou de um desejo. Continuei a caminhada tentando refletir naquela situação toda e a única conclusão que cheguei foi de que eu era de fato, uma pessoa quebrada.

O dia na delegacia foi de uma tensão sem fim. Com Thomas " internado" e os processos contra a polícia fizeram com que alguns repórteres ligassem para a repartição a fim de obter esclarecimentos. Tudo tinha sido arquitetado por ele. Sebastian estava uma bomba relógio. Logo cedo acabou discutindo com Lolla, porque ela queria mudar Robert de escola por causa da logística em buscá-lo e ele achava melhor que continuasse. Até se propôs a buscar, mas depois que Lolla insinuou que ele esqueceria o filho por causa do trabalho, Scott não aguentou e discutiram. Batidas rápidas à porta não o fizeram parar de preencher as papeladas. Apenas exclamou:

-Entre.

-Oi....só queria agradecer por ter me levado para casa ontem.

Ele levantou os olhos. Rebecca estava com o rosto um pouco inchado e levemente roxo, e era claro que havia passado algum tipo de maquiagem para esconder.

-Era o mínimo que eu deveria fazer. Você está bem?

-Bem...a minha cara está estragada. Antes já não era grande coisa...

-Que isso, Rebecca. Sinto-me envergonhado pela péssima atitude da April.

-Estou bem, fique tranquilo. Ah, você está com a tarde livre. A reunião das 14h foi remarcada para amanhã. E essa papelada que você tá assinando, consegui que fossem enviadas só na semana que vem.

-Puxa, Obrigado! Eu odeio essa parte burocrática.

Scott coçou os olhos. Não havia pregado o olho. Sentiu que algo foi colocado à sua mesa. Rebecca havia trago café.

-E nem venha falar que não precisa.

Ela falou rapidamente dando um sorriso.

-Não tenho como discordar.

-Se precisar de mim, só me chamar.

A ruiva saiu fechando a porta. Respirou fundo e voltou para sua mesa. Sebastian pegou o celular. Viu mensagens de Lolla sendo bem seca e direta, pedindo que ele levasse o histórico de vacinação de Robert o quanto antes para ela. Pois para matriculá-lo na escola mais próxima ao seu trabalho, teria que enviar junto com os outros documentos. Em casa procuraria com mais calma, pensou melhor e sabia que essa briga ele jamais ganharia. Mesmo contrariado, não iria mais se opor. Voltou sua preocupação para mim. Não sabia como entrar em contato e no fundo nem queria, mas se preocupava. Sabia que eu não estava bem.

O tempo foi passando rápido e já estava quase na metade do expediente. Rebecca ajudou Scott com outros assuntos do departamento. O dia estava muito pesado, ocorrências a todo momento, violência doméstica, bêbados fazendo arruaça, com muitos turistas ainda pela cidade, as coisas ficavam mais agitadas. E a imprensa estava no pé. Vários repórteres começaram a rondar a delegacia, pois o caso começou a tomar proporção midiática e claro, tudo elaborado por aquele sociopata nojento. Um jornalista, conseguiu entrar, e pela primeira vez não foi com a ajuda de Rebecca, foi apenas uma infeliz coincidência. Ela percebeu a tempo, correu pra sala de Scott.

-Tem um jornalista aqui dentro.

-Como é?

Ele perguntou sem entender.

-Se me virem ou se virem você, estamos lascados, a investigação vai ficar pior ainda! Tem alguma saída pelos fundos?

-Tem, mas o que você está falando? Não vou sair fugido.

-Vai ser pior, ele vai tirar foto, vai te confrontar e você vai revidar. Se fosse outro caso, tenho certeza que não, mas está envolvido emocionalmente. Já lidei com crise assim na Columbia, a exposição piora tudo. Confia em mim! Vamos sair daqui.

A moça pegou em sua mão. Os dois saíram apressados pelos fundos da delegacia. Dito e feito. O jornalista conseguiu subir, não encontrando Sebastian, acabou saindo pela porta da frente e entrou em um carro com mais duas pessoas. Tanto Rebecca quanto Scott olhavam a cena escondidos na esquina.

-Você não precisa desse circo. Vai por mim, isso acaba com a reputação, o clamor da população com uma notícia sensacionalista piora demais a situação.

-Em todos esses anos de carreira policial, eu nunca me imaginei saindo escondido da delegacia.

Ele começou a rir e ela o acompanhou.

-Já foram embora, vamos comer alguma coisa? Já saímos mesmo, e não vamos demorar.

Ele pensou em dizer não, mas ela era mais esperta.

-Devido a todo o acontecimento, acho que mereço, não? E você precisa comer, eu percebi que não almoçou.

-Tudo bem, vai ser rápido.

Os dois foram até a uma pequena rotisseria a algumas quadras dali. Acabaram sentando na janela e Rebecca começou a emendar um papo animado. A princípio, Sebastian estava um pouco incomodado por estar ali e não na delegacia, ele não tinha esse comportamento. A primeira vez que de fato saiu para dar uma volta foi comigo, me levando para conhecer as dependências da delegacia e experimentar o café de lá. Mas foi dentro do estabelecimento. Nunca havia saído em seu horário de trabalho. Mas Rebecca falava tão animadamente que a guarda dele baixou. Pediram algo leve para comer. Ele então começou a interagir mais, contando sobre a história daquela rotisseria, que a viu inaugurar e torcia muito pelo sucesso, afinal, era um dos melhores lugares que havia experimentado uma torta de nozes bem feita.

Quanto à coincidência que vai acabar de acontecer, já adianto que foi uma das mais dolorosas. Andei pelo Central Park para esvaziar a cabeça, depois de muito chorar e repensar na vida, e a única pessoa que me fazia ficar firme era Scott, ele sempre estava na minha mente. Mesmo bravo e não concordando com as minhas ações, ele me fazia sentir segura. Eu encontrava nele, uma fortaleza. Tratei de ficar pensando nisso por mais tempo e resolvi ir até ao departamento. Respirei fundo durante o caminho, me convencendo de que o encontraria mais bravo do que nunca, mas eu estava disposta a colocar minha conta em risco e ir mesmo assim. Foi quando, do outro lado da rua, o vi. Rindo, conversando animadamente....com ela. Imediatamente parei. Fiquei por alguns segundos sem respirar. O peito ardeu, os olhos também. Ele estava todo alegre, feliz, rindo.... a última vez que o vi tão leve foi no Natal. Tudo o que tentei não pensar, voltou à tona. Eu realmente não me encaixava no mundo de ninguém. Sempre quando eu me afastava, as coisas ficavam normais.

O dia em que reconheci Sebastian ScottOnde histórias criam vida. Descubra agora