Alerta de gatilho: Esse capítulo abordará tema sensível sobre violência contra mulher e aborto
Acordei com meu celular tocando ao longe. Relutei para levantar, mas assim que o fiz, escutei a voz de Sebastian do outro lado da ligação.
-Oi. Como está se sentindo?
-Um pouco tonta, mas o enjoo passou.
-Eu estou enrolado aqui, achei que seria mais rápido, mas não. Queria saber se está se sentindo melhor, estou preocupado.
-Fique tranquilo. Estou bem.
-Não quero ser invasivo. Quando quiser, me ligue.
-Obrigada por isso.
Nos despedimos. Meu coração estava doendo. Thomas havia voltado, aquilo me fez passar mal. Eu estava extremamente confusa, mas não poderia envolver Sebastian nesse problema. Não seria justo, ele tinha uma família, filhos, e lidar com uma problemática feito eu não era nem de longe o correto. Então, na minha cabeça o mais fácil seria terminar o que nem tinha começado direito. Por causa dos remédios, adormeci pesadamente, acordando só no outro dia. Logo que amanheceu, tratei de ir até a Columbia, mas praticamente passei o dia todo na biblioteca. Evitei os corredores, porque poderíamos nos encontrar e eu precisava reunir muita coragem porque não seria um assunto agradável. Saí da faculdade caminhando e fui até o Central Park. De lá, liguei para Scott. Não demorou muito e eu o avistei ao longe. Ele conseguia ser bonito a milhas de distância. Se aproximou de mim e sentou- se ao meu lado. Acariciou de leve meu ombro.
-Oi...está melhor?
-Vou ficar bem. Mas precisamos conversar. Acredito que você deve estar com muitas dúvidas e já checou os antecedentes do Thomas. Eu notei a viatura a paisana na esquina do meu apartamento.
-Desculpe se pareceu exagerado, mas sim, eu investiguei.
-Bom, sabe que sou fichada, certo?
-Sim. Por agressão.
-Você deve estar muito acostumado com depoimentos de pessoas dizendo que " não é o que parece", mas essa é a minha história. Eu vou te contar uma das piores partes da minha vida. E depois disso, não vamos mais nos ver. Depois que eu terminar, eu quero que vá embora, e que nunca mais me procure. Pode fazer isso?
-O que você preferir.
Sua voz saiu baixa. Segurei minhas lágrimas.
-Thomas Bones começou a lecionar na Columbia como professor de Direito financeiro. Fui a primeira turma dele. Ele se interessou por mim e começamos um relacionamento. Eu me apaixonei, era inexperiente, nova demais, havia perdido meus pais um tempo antes de entrar na universidade então, meu psicológico estava em frangalhos. Ficamos namorando por 6 meses escondido, porque ele sempre dizia que era errado um professor se envolver com aluna. Me deixei levar por isso, até que descobri que ele era casado. Aquilo veio como uma bomba para mim e minha família. Terminei tudo, e entendi os motivos dele sempre se justificar quando não me atendia, ou as viagens que fazia do nada. Não era um relacionamento normal. Mas, por fim, descobri que estava grávida. Quando fui procurá-lo, ele disse que estava se divorciando e que casaria comigo porque me amava. Contou que o casamento era péssimo e não sabia como terminar, mas agora tinha um motivo. Resolvi contar à minha tia, que surtou! Não por eu estar grávida, mas pelo fato de que eu abandonaria tudo para morar com ele em Vancouver. Ela ficou extremamente chateada e disse que se eu fosse, era para esquecer que ela era da família. E eu fui. Casamos tempos depois no papel porque ele insistiu muito e eu achei que era uma prova verdadeira de amor. Todos da faculdade ficaram sabendo, então a minha fama por lá é péssima. Fiquei conhecida como a "destruidora de lares" e " amante". Logo depois que fui morar junto dele, passamos a brigar e discutir de formas horríveis e nada saudáveis. Primeiro por ciúmes, da parte dele, depois da minha. Eu não podia conversar com homem nenhum, mesmo grávida, com um barrigão de 8 meses, que era motivo para descontrole. Depois foram as proibições. Não podia sair de casa, só em companhia de Thomas. Tudo que eu precisava, era pedir a ele, que comprava. Não consegui me acostumar, e um dia, numa discussão justamente sobre isso, falei o quanto eu me sentia presa e ele me deu um tapa no rosto. Pediu muitas desculpas, chorou copiosamente, contou histórias horríveis sobre a sua infância e eu, de uma forma muito bizarra, entendi o comportamento dele. Passamos meses incríveis, ele me tratava feito uma princesa. Mas, novamente, coisas pequenas passavam a ser motivo de discussões. Em uma outra situação, ele chegou bêbado e discutimos sobre um vizinho que sempre me cumprimentava. Quando eu falei que me sentia sozinha e gostava da companhia do senhor que morava na frente, ele surtou. Começou a me xingar, e no ápice de sua loucura, me esganou até que minha barriga começasse a latejar. Depois chorava desesperado, dizendo que ia procurar tratamento e de fato, ia. As coisas melhoravam por algumas semanas, mas depois voltava tudo novamente. Um dia, eu estava no telefone com o meu primo, que tem um filho e eu sou louca por aquela criança. Ele chegou, viu que era um homem do outro lado da linha e surtou de novo. Foram três socos. O terceiro eu desmaiei e quando acordei, estava em trabalho de parto, no hospital. Minha pressão caiu demais, precisei fazer uma cesariana de emergência. A minha bebê nasceu morta. Faltou oxigênio, o médico não sabia dizer o porquê. Enfim, eu estava prestes a voltar pra casa da minha tia, quando ele mais uma vez disse estar se tratando. Me mostrou laudo e todos os exames. Penny já estava com as minhas coisas empacotadas. E eu decidi ficar. Aquilo a quebrou para sempre. Disse que não sabia como ajudar e que aquela situação estava a deixando doente. Meu casamento parecia ter melhorado, não tínhamos mais brigas, mas eu entrei em depressão por causa da minha filha. É uma coisa absurdamente maluca, porque ele foi o culpado pela morte dela. Mas eu estava tão doente que não conseguia sair daquele ciclo. Foi aí que descobri uma traição, com uma amiga dele, que havia se tornado minha amiga também. Em resumo, o confrontei, tivemos mais uma briga, ele quebrou o meu maxilar e estava me enforcando novamente. Havia uma tesoura do meu lado, pois antes eu estava arrumando minhas coisas para ir embora. Eu o perfurei duas vezes na costela e saí correndo. Ele foi para o hospital. Fiquei na casa do meu primo, que também morava lá, por umas semanas. Quando fui comprar a passagem e voltar para cá, descobri que tinha um boletim de ocorrência contra mim. Thomas me ligou de outro número e disse que estava me traindo por que eu não podia ter mais filhos, mas se arrependeu e não me daria o divórcio porque queria resolver nossa situação. Meu primo então me trouxe de volta para cá, escondido, porque nem passagem eu podia comprar por causa dessa porcaria desse boletim de ocorrência. Minha tia estava extremamente relutante, mas acho que meu primo contou tudo a ela, então passou a me olhar com pena. Ele me ajudou a retornar à faculdade e é isso. Eu voltei para retomar meus estudos, e de alguma forma bizarra, te coloquei no meio dessa bagunça toda. Mas você não precisa disso. Esse cara voltou e ele é a razão pela qual eu sou quebrada....
-April, eu sinto muito.
Sebastian me abraçou. Eu abracei de volta e recomecei a chorar baixinho. Eu não queria soltá-lo. Ele acariciava meus cabelos devagar. Seu coração batia rápido.
-Só quero que saiba que eu te respeito. E que posso te ajudar. No que precisar.
-Eu sei. Obrigada por isso. Mas, eu não tenho condições alguma de me relacionar agora. Me desculpe! Você é incrível, é maravilhoso, mas não merece alguém que tem um monte de coisa pra limpar. Te contei o que eu jamais queria contar. Eu só queria ser normal, para que a gente pudesse dar certo, mas eu não consigo. Tudo está acontecendo muito rápido entre nós e isso está me assustando. Tenho muita coisa pra resolver. Conhecer você e me apaixonar não estavam nos planos. Mas eu preciso ser racional, antes que a gente se machuque mais. E como eu disse, você não merece isso.
-Você tem todo o direito de me tirar dessa. Se não está confortável comigo perto, eu entendo. Mas, não é o que eu quero.
Não consegui dizer nada. Apenas abaixei meus olhos. Senti um beijo na minha testa. Estava cada vez mais difícil sair dali. Reuni forças e devagar me levantei, coloquei meus cabelos para trás da orelha, o olhei com os olhos completamente marejados. Ele também só me olhava. Entendeu a confusão que se passava em minha cabeça. E assim eu o deixei, sentado no banco do Central Park. Não tive coragem de olhar para trás. Para mim deveria ser mais fácil acabar com qualquer envolvimento agora.
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O dia em que reconheci Sebastian Scott
RomanceApril Pearl é a protagonista, uma garota de 28 anos que resolveu voltar para NY depois de um casamento fracassado no Canadá. Ao voltar, encontra vários desafios, sendo um deles continuar seu curso na Columbia, que passou por mudanças , voltar a faze...