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Estados Unidos, 1964

Daquele dia eu apenas me recordo que estávamos em Miami Beach, numa mansão em Star Island, no sul da Flórida, depois de termos cumprido nossa intensa agenda pelas terras do Tio Sam. Brian havia decidido dar a todos nós uns dias extras de sol e diversão.

Ainda que a loucura nos perseguisse dia e noite, o fato de eu me recordar tão bem deste episódio é que Paul e eu ficamos sozinhos em um dos quartos daquele luxuoso casarão. Não havia a mais remota possibilidade de ficarmos a sós em lugar algum durante aquela turnê, mas lá estávamos nós: os dois, vendo claramente as nossas silhuetas dentro de roupas de banho de cores diferentes.

Era especificamente uma manhã quente. A luz do sol invadia o gigantesco quarto pela escancarada porta francesa de vidro, deixando também que um pouco de vento agitasse as compridas cortinas de voil de cor perolada –Hollywood perdia ali uma cena e tanto...

Ele estava com uma toalha branca pendurada no pescoço, servindo como uma espécie de camisa, que não cobria absolutamente coisa nenhuma. Na parte de baixo vestia sua sunga preta com detalhes brancos; no pulso a pulseira de prata que eu o havia presenteado anos antes, e na cara apenas um sorriso provocante terminava por adornar a obra de arte viva que ele era.

Já eu estava sentado em uma poltrona do outro lado do quarto, tendo uma fabulosa vista de qualquer canto do ambiente. No corpo a sunga marrom, nos pés os chinelos e no rosto um par de óculos escuros. Com as pernas cruzadas e escorado na poltrona de braços abertos eu sorri da mesma forma.

-Pronto? –Ele me perguntou se aproximando.

-Quase... –Ajustei os óculos.

-O que ainda falta? –Ele deixou a toalha em cima de um sofá logo em frente a mim e estendeu a mão em minha direção.

Eu sorri com a pergunta.

Ajeitei-me na poltrona, deslizei os óculos pelo meu nariz e observei-lhe a palma e seus elegantes dedos. De tanto tocar já não tinha mais calos, nem marcas; estava limpa, homogênea, sem falhas, perfeita; apenas carregando a história de doces toques e deliciosas punições... Pelo menos comigo.

Reclinei um pouco mais e deixei que meus lábios pousassem na ponta dos seus dedos. Ele permaneceu imóvel, mas fez um pedido manhoso esperando minha desobediência:

-Não faça isso...

Minha reação foi deslizar seu dedo indicador para dentro da minha boca e em seguida retirá-lo lentamente, numa incrível demonstração da vontade que tinha dele naquele momento. Ouvi um arquejo baixo e depois senti os óculos sendo tirados de mim. Dessa forma eu o encarei me observando, hipnotizado, deixando o ar fluir pela sua boca entreaberta. Ele tocou um dos meus lábios com o polegar.

O querer mútuo, tão explícito... Nossa característica.

Ao ter uma súbita ideia apartei-me de seus dedos e segurei-lhe pelo antebraço; levantei-me então da poltrona e saí em busca de sua boca num impulso, que me foi prontamente negada com um virar de rosto. Um par de tentativas foi realizado, mas parei assim que senti seu receio. Ele temia que alguém atravessasse a porta e nos encontrasse juntos daquela forma, mas eu balancei a cabeça em direção à entrada avisando-o sobre meu feliz movimento em trancá-la enquanto ele se trocava.

Um sorriso sacana me concedeu a permissão para continuar, e desse modo eu o segurei pela nuca tomando-o em um ávido beijo. Meus óculos foram prontamente arremessados para algum lugar dali, mas eu não me importei. Eu estava em um estado de desorientação estranha, sendo acometido pela sede peculiar: e seria de sua refrescante fonte na qual eu iria beber, e assim me saciar plenamente, ser substancialmente completo. Mais uma vez, desde quando nós nos conhecemos.

PARIS 61 - MclennonOnde histórias criam vida. Descubra agora