initium

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6 de dezembro de 1980

A vida não espera por nós. Não espera pelos nossos planos. Ela sempre requer uma ação imediata, porque ela é imediata, continuamente instantânea. Implacável em sua totalidade.

O tempo anda de mãos dadas com ela, como sua alma gêmea. Matéria e elementos eternos que traçam destinos; que começam e terminam, sem avisos e despedidas.

Deveríamos ter dimensão disso tudo desde o começo para ficarmos cientes do quão breve somos e do quanto temos que fazer antes que tudo acabe; assim como um sopro contra um dente-de-leão que se desmancha pelo espaço em pequenos fragmentos.

Entretanto, somos levados pelos eventos mais banais, perdendo tempo em situações que nunca somam em nada e nos levam a abismos cada vez mais profundos.

De perto o tic-tac é sempre uma bomba.

Talvez não haja o amanhã.

Foi a primeira coisa que eu pensei quando abri os olhos naquela manhã de sábado depois de ter sonhado com a última visita que os McCartney nos fizeram aqui no Dakota. Inevitavelmente também pensei nas palavras que eu havia dito e no abraço que eu havia dado no meu velho amigo.

Velho "amigo." Interessante pensar na definição da palavra quando sua aplicação à pessoa não corresponde. Na verdade, quando chegou a corresponder?

Os sentimentos sempre vinham à tona quando eu ficava próximo a ele; quando o nome dele passava pela minha cabeça ou quando eu ouvia sua voz em alguma estação de rádio. Ninguém suspeitava das saudades, da minha constante memória indo de encontro a nossos momentos juntos durante todos aqueles anos dourados.

Eu me perguntava o que ele fazia durante as manhãs, tardes e noites. Procurava saber com os outros onde ele estava e para onde ia; se pensava em mim enquanto escrevia suas canções... E devo confessar que gastei muito tempo escutando cada uma delas procurando por alguma mensagem, algum recado que pudesse dizer que ainda me amava.

Havia muitas canções de amor, mas quais delas eram para mim? Seriam todas? Ou nenhuma?

Todo nosso relacionamento foi complicado... Adolescentes terrivelmente inconsequentes, vivendo a loucura das madrugadas liverpooldianas; aventureiros num sentimento que crescia devagar e que desabrochou de maneira pura e intensa poucos anos depois.

Falamos tantas coisas um pro outro, sem ter noção do que estava acontecendo e tudo o que iria acontecer. Eu continuei flutuando, esperando que continuássemos daquele ponto para o resto de nossas vidas em algum outro momento. Ponto este que nunca chegou.

De repente vieram tantos deveres, tantas coisas para fazer e resolver! E não que no começo eu tenha reclamado, mas, éramos tão jovens e já tão tragicamente responsáveis... Nossas vidas haviam deixado de ser aquele conto de fadas perfeito dos dias em Paris para adentrarem no frenesi da beatlemania.

Eu me casei com a minha namorada grávida aos vinte e dois anos. Além de casado seria pai. Um maldito adolescente batendo a porta da idade adulta sendo pai... No mínimo catastrófico. Durante os primeiros meses eu não senti tanto, mas depois do Julian as coisas tomaram outras proporções, e a minha cabeça ainda não estava desenvolvida a ponto de ter uma verdadeira noção daquela realidade e do que ela exigia.

A fama e o dinheiro abriram muitas portas, braços e pernas. Um mundo infinito para todos nós, mas que me era moralmente negado. A vida de exageros luxuriosos era reservada aos meus amigos de estrada, ainda mais para o meu favorito, que também era o favorito de muitas.

PARIS 61 - MclennonOnde histórias criam vida. Descubra agora